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Reinaldo Azevedo

Em franca recuperação, Bolsonaro vai ter de “revender” Guedes para o mercado; ele perdeu a aura de “intocável” e se revelou pouco hábil

Reinaldo Azevedo

24/09/2018 06h36

Paulo Guedes em visita a Jair Bolsonaro, neste domingo, no hospital Albert Einstein (Divulgação)

A candidatura de Jair Bolsonaro tem, vamos dizer assim, o mercado como a sua principal âncora. Pode parecer irrelevante, mas não é. Ao contrário. Muito criticado por não demonstrar nenhuma destreza em assuntos econômicos e, no outro extremo, saudado porque seria justamente a expressão do homem comum, que também não é especialista em economia, uma esperta operação de marketing político, ainda que operada de modo mais ou menos improvisado, fez de Paulo Guedes o grande esteio do candidato nesse mundo que até pode não eleger ninguém, mas tem enorme potencial para desestabilizar candidaturas. E governos.

Até então, Bolsonaro era uma realidade das redes sociais, conquistava a simpatia de camadas crescentes do público, mas não era levado a sério em ambientes em que se discutem política e economia a sério. Quando Guedes apareceu como a resposta para a sua óbvia ignorância em matéria econômica, então o deputado passou a ser considerado uma opção. E conquistou a dianteira nesses nichos. Dali a simpatia se irradiou para setores da casse média. Se a sua pauta conservadora nos costumes já agradava, faltava alguém que lhe conferisse credibilidade. E Guedes serviu a esse propósito.

Ocorre que o economista, ex-banqueiro e investidor de muitos milhões não é uma gaveta vazia. Ele tem ideias. Na versão inicialmente romanceada, Bolsonaro, se eleito, cuidaria da política, e Guedes, no Ministério da Fazenda, se encarregaria das contas. Mas as contas de um país dependem visceralmente da política. Caso o candidato do PSL chegue ao Palácio do Planalto, o que quer que seu ministro pretenda fazer para mudar a forma de arrecadação e de desembolso vai depender do apoio do Congresso.

Acontece que Guedes nada entende de política. Aliás, segundo ele mesmo, teria ouvido tal avaliação da boca do próprio Bolsonaro. Só isso explica o fato de resolver fazer digressões sobre impostos numa reunião fechada com investidores. Pior: as ideias lá esboçadas seriam ruins para os mais pobres e boas para os mais ricos. E os setores menos favorecidos do eleitorado constituem justamente o ponto mais vulnerável da campanha do candidato. Os ricos poderiam até gostar, mas o nome disso é instabilidade política. E, salvo melhor juízo, se o candidato do PSL vencer, ele terá de investir na paz social, não no contrário.

Guedes também resolveu ter uma ideia estapafúrdia sobre como aprovar a agenda econômica no Congresso: cassando o direito de voto de deputados e senadores. Se metade mais um dos parlamentares de uma bancada aprovassem uma matéria qualquer, seriam computados os votos da bancada inteira. Suponho que, se metade mais um a recusasse, também se tomaria o "não" como o voto de todos.

A coisa é de tal sorte absurda que uma determinada matéria poderia ser aprovada ainda que derrotada. Vamos dividir a Câmara em quatro partidos. A legenda A, com 100 deputados, rejeitaria uma matéria por 49 a 51; o partido B, com 300, a aprovaria por 151 a 149; o C, também com 100, a rejeitaria por 49 a 51, e o D, com 13, diria "não" por 6 a 7.

Muito bem: se vocês fizerem as contas, o "sim" à proposta teria obtido, nesse exemplo, 255 votos; o "não", 258, mas ela seria aprovada por 300 a zero porque, afinal, teria conseguido a maioria do Partido B. Além de ferir uma penca Artigos da Constituição, fere também o bom senso.

Bolsonaro está se recuperando bem, tudo indica. Será preciso rearranjar as coisas. A figura de Guedes passou por um duplo desgaste. Em primeiro lugar, ficou evidente que sua comunicação com o candidato não é exatamente como se imaginava e que a sua autonomia, razão de sua força junto aos tais mercados, inexiste, o que, pessoalmente, considero positivo. Afinal, ministro da Fazenda não é chefe do presidente. Restou, ademais, a suspeita de que algumas de suas ideias supostamente milagrosas são simplesmente incompatíveis com a política.

O recolhimento de Bolsonaro em razão da agressão que sofreu lhe rendeu, no reverso do infortúnio, crescimento nas pesquisas. Mas algumas inconsistências, que deveriam ter ficado sufocadas pelo calor da campanha para se revelar mais tarde, eventualmente depois da eleição, vieram à luz. E requerem uma resposta.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.