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Reinaldo Azevedo

O discurso de Bolsonaro na Paulista é o de quem se dispõe a ser presidente de uma parte do Brasil e a silenciar a fala de quem discorda

Reinaldo Azevedo

22/10/2018 18h53

Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

O discurso de Jair Bolsonaro transmitido na manifestação de domingo, 21, preocupa não porque ele possa fazer o que anuncia, mas porque ele pode, sim, tentar fazer. E, nesse caso, em vez de ser presidente de todos os brasileiros, tentará ser a mão pesada de uma parte deles, ainda que maioria — maioria que, destaque-se, sempre é transitória. Bolsonaro há de se lembrar que já foi minoria no país, não? E o que fez dele, agora, a maioria? A resposta: o fato de que sempre pôde se manifestar livremente. Chegar ao poder pela via democrática e, depois, tentar formas de burlar essas regras não é uma boa escolha. Não dará certo. Comentarei seu discurso trecho a trecho.

Nós somos a maioria. Nós somos o Brasil de verdade.
Juntos com este povo brasileiro construiremos uma nova nação.
Não têm preço as imagens que vejo agora, da Paulista e de todo o meu querido Brasil.
Perderam ontem, perderam em 2016 e vão perder na semana que vem de novo.
Estaria tudo bem com esse trecho não fosse a segunda frase. Os que se opõem a ele também são o "Brasil de verdade". Ou não são? Ou as pessoas que não votam em Bolsonaro ou votam em seu adversário são "fake people"? Segundo as pesquisas, 40% do eleitorado podem escolher seu adversário. Que fossem 30%, 20%, 10%. O principal valor da democracia e sua afirmação negativa. É a garantia de direitos a quem diverge. O que me impressiona é que escrevi esta mesma coisa advertindo para os descaminhos do PT em relação à democracia.

Só que a faxina agora será muito mais ampla.
Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou vão pra cadeia.
Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria.
A palavra "faxina" para se referir a adversários, não importa a sua ideologia, é sempre ruim porque remete, por óbvio, a lixo, a sujeira. Retirar a humanidade do "outro", transformando-o em coisa, é caminho certo para cometer grandes desatinos. Marginais, se marginais porque atuam à margem da lei, marginais são. Não importa a sua cor. Ou não os pode haver que se vistam de verde-amarelo? Pergunta óbvia: alguém está livre de cometer um crime só porque vota em Bolsonaro? Acho que não. Por que votar em seu adversário seria sinônimo de ação criminosa?

Nós acreditamos no futuro do nosso Brasil. E juntos, em equipe, construiremos o futuro que nós merecemos.
Temos o melhor povo do mundo, a melhor terra do planeta, e vamos com essa nova classe política construir realmente aquilo que nós merecemos.
Estou aqui porque acredito em vocês, vocês estão aí porque acreditam no Brasil.
Ninguém vai sair dessa pátria, porque essa pátria é nossa.
Não é dessa gangue, que tem a bandeira vermelha e tem cabeça lavada.
Sem indicações políticas, faremos um time de ministros que realmente atenderá às necessidades do nosso povo. Podem ter certeza. Vocês podem confiar em nós, porque nós confiamos em vocês.
O Brasil será respeitado lá fora. O Brasil não será mais motivo de chacota junto ao mundo. Aqui não terá mais lugar para corrupção.
É uma fala que remete ao Brasil grande, muito exercitada durante a ditadura militar. Mas, até aí, bem. Não haveria, em si, nada de chocante no que diz. O "nossa" poderia significar de todos os brasileiros. Mas, claramente, não significa. Como se nota, os "vermelhos", como diz, não contam. Logo, não seriam brasileiros. Mau caminhoDe resto, o ministério de Bolsonaro pode não obedecer àquela divisão por partidos conhecida, mas é claro que será um ministério político porque é política o que ele faz. O Brasil não é motivo de chacota lá fora. Quem faz chacota de nós? Hoje, não são poucos, no mundo, os que se preocupam com o discurso do próprio Bolsonaro.

E, seu Lula da Silva, se você estava esperando o Haddad ser presidente pra assinar o decreto de indulto, eu vou te dizer uma coisa: você vai apodrecer na cadeia.
Brevemente você terá Lindbergh Faria pra jogar dominó no xadrez.
Aguarde. O Haddad vai chegar aí também. Mas não será pra visitá-lo, não. Será pra ficar alguns anos ao teu lado.
Já que vocês se amam tanto, vocês vão apodrecer na cadeia. Porque lugar de bandido que rouba o povo é atrás das grades.
Você achava que tava tudo dominado? Não tava não.
Esse povo sempre se levantou, nos momentos mais difíceis da nação, para, exatamente, salvá-la.
Vocês da Paulista, vocês que fazem manifestação em todo o Brasil, vocês estão salvando a nossa pátria. Não tenho palavras para agradecê-los neste momento. Vocês estão salvando o meu, o seu, o nosso Brasil.
O ruim desse discurso é que fica parecendo que é Bolsonaro quem manda soltar e prender. E ele não manda. Quem o faz é a Justiça. Num discurso de disputa eleitoral, não se espera que o candidato B fale bem com candidato H. Mas é um despropósito ameaçá-lo com cadeiaUm fato: o PT foi apeado do poder e dele saiu sem oferecer resistência, sem criar marola. E seus partidários estão submetidos aos rigores da lei. Ou não é assim?

Petralhada, vai tudo vocês pra ponta da praia. Vocês não terão mais vez em nossa pátria porque eu vou cortar todas as mordomias de vocês. Vocês não terão mais ONGs para saciar a fome de mortadela de vocês.
Será uma limpeza nunca visto (sic) na história do Brasil.
Vagabundo vai ter que trabalhar. Vai deixar de fazer demagogia junto ao povo brasileiro. Vocês verão as instituições sendo reconhecidas. Vocês verão umas Forças Armadas altiva (sic), que estarão colaborando com o futuro do Brasil.
Vocês, petralhada, verão uma polícia civil e militar, com retaguarda jurídica pra fazer valer a lei no lombo de vocês.
"Petralha" é palavra que eu inventei. E, por óbvio, está em livro, não serve a esse propósito vocalizado por Bolsonaro. Quando ele fala em "limpeza", está querendo dizer o quê? Qual sinal passa para seus seguidores? O que Bolsonaro pode fazer de efetivo contra as ONGs? Que se note: hoje, as organizações não-governamentais respondem por parte considerável da assistência social no país. Será que todas elas são aparelhos do PT? Existe uma legislação que trata do assunto. Não depende da vontade do mandatário permitir ou não o seu funcionamento.

Bandidos do MST, bandidos do MTST, as ações de vocês serão tipificadas como terrorismo. Vocês não levarão mais o terror ao campo ou a cidade. Ou vocês se enquadram e se submetem às leis ou vão fazer companhia ao cachaceiro lá em Curitiba.
Há aqui um problema sério. Há ações do MST e do MTST que podem ser tipificadas como crimes. E há as que não são criminosas. Reivindicar, se organizar, pressionar, bem, isso tudo é próprio da democracia, não?

Amigos de todo o Brasil, este momento não tem preço. Juntos, eu disse juntos, nós faremos um Brasil diferente. Meu muito obrigado a todos do Brasil que confiaram o seu voto em mim por ocasião do primeiro turno. Ainda não ganhamos as eleições, mas este grito em nossa garganta será posto pra fora no próximo dia 28.
Conclamamos a todos vocês que continuem mobilizados e participem ativamente por ocasião das eleições do próximo domingo, de forma democrática.
Fala de candidato, Nada de errado no trecho.

Sem mentiras, sem fake news, sem Folha de S.Paulo. Nós ganharemos esta guerra. Queremos a imprensa livre, mas com responsabilidade. A Folha de S.Paulo é o maior (sic) fake news do Brasil. Vocês não terão mais verba publicitária do governo. Imprensa livre, parabéns. Imprensa vendida, meus pêsames.
Somos amantes da liberdade, queremos a democracia e queremos viver em paz. Nós amamos as nossas famílias, nós respeitamos as crianças, nós respeitamos todas as religiões, nós não queremos socialismo, nós queremos distância de ditaduras do mundo todo.
Bolsonaro ama a liberdade, como diz, mas chama a notícia de que não gosta de "fake news" e promete usar dinheiro público para punir o veículo de que não gosta. Trata-se, sem dúvida, de um modo estranho de prezar a democracia e de se afastar, como diz, das ditaduras. Mesmo esse discurso precisa ser visto com cuidado, não? O Brasil deixará, por exemplo, de ter relações com todos os países árabes, que ditaduras são? Vamos cortar relações com a China? Acho que não. Sim, esse caminho de permanente confronto com a imprensa é o escolhido por Donald Trump. Mas o Brasil tem urgências e problemas que os EUA não têm. O simples mimetismo embute um risco bem maior do que, tudo indica, está sendo considerado pelo candidato.

Amigos da Paulista e do Brasil. Meu muito obrigado a todos vocês, e vamos, juntos, trabalhar pra que no próximo domingo aquele grito que está em nossa garganta, que simboliza tudo o que nós somos, seja posto pra fora."
Que seja um grito em defesa da democracia, não de uma ditadura de uma maioria transitória, que pode nos empurrar para conflitos graves. Até agora, Bolsonaro não aprendeu a falar a linguagem da pacificação.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.