Topo

Reinaldo Azevedo

Uma transição civilizada, sem caneladas, será o primeiro teste para um Bolsonaro que fale pela institucionalidade. Ou: Temer e os erros do PT

Reinaldo Azevedo

23/10/2018 17h34

O candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, pretende, se eleito, viajar a Brasília na semana que vem para tratar de transição com o presidente Michel Temer. No encontro, que deve ser promovido pelo Palácio do Planalto, Temer pretende entregar uma espécie de cartilha, explicando as regras da passagem de cargo e destacando algumas das realizações do governo dele. De acordo com a Folha, o presidente pedirá na reunião que Bolsonaro mantenha duas iniciativas que considera marcas de sua gestão: o teto de gastos e a reforma trabalhista. A equipe do candidato já se mostrou favorável a ambas, mas ressaltou que pretende fazer mudanças pontuais para, segundo seu ponto de vista, aperfeiçoá-las, como a criação de autorização legal para que os trabalhadores possam escolher os próprios sindicatos. Temer também vai defender a realização de uma reforma da Previdência, apesar de considerar difícil que a proposta seja aprovada neste ano.

Vamos ver.

Uma transição civilizada, sem ataques à atual gestão, será um primeiro sinal de maturidade de Bolsonaro, aí na condição já de presidente eleito. Nesse caso, ele passa a ter uma voz mais claramente institucional — embora eu entenda que tal papel caiba também aos candidatos. Afinal, eles se apresentam para dar continuidade à ordem democrática, não é mesmo? Infelizmente, essa foi a campanha eleitoral em que a baixaria tomou o lugar das propostas, e o bate-boca, da troca de ideias. Tivemos, na verdade, o chamado "debate-boca" pelas redes sociais. E por dois motivos: porque Bolsonaro, depois do ataque que sofreu, ficou um tempo sem poder se confrontado por seus adversários e, mesmo estabilizado e podendo enfrentar intelectualmente seus oponentes, preferiu falar sozinho. E porque o PT insistiu na história da Carochinha de que Lula poderia concorrer. Vale dizer: quando Bolsonaro ainda comparecia a debates, o representante do PT não estava presente porque na cadeia. Pior para o país.

Notem que as duas questões que, segundo a Folha, Temer levará a Bolsonaro traduzem um erro de análise do PT. O partido imaginou que a crítica à reforma trabalhista faria alguma diferença junto ao eleitorado. Pode apenas ter reforçado a convicção junto aos já convertidos. Ou por outra: quem não iria votar em Bolsonaro de jeito nenhum decidiu, então, que não votaria mesmo. Pesquisa Datafolha do dia 20 de setembro evidencia que metade dos eleitores brasileiros prefere trabalhar sem carteira assinada, com salários mais altos, ainda que sem os tradicionais direitos trabalhistas.

A catástrofe que o PT antevia no mercado de trabalho também parece não se anunciar. Em setembro foram criadas 137,3 mil vagas com carteira assinada, o melhor resultado para o mês desde 2013, de acordo com dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério do Trabalho. Os números foram divulgados nesta segunda-feira (22) e mostram que a criação de vagas formais foi superior também à de agosto, quando foram gerados 117,1 mil empregos com carteira.

Outro erro do PT foi atacar o chamado teto de gastos. De novo: é uma conversa que alimenta o ideário de esquerda, mas que não é facilmente traduzível para o eleitorado comum. A versão, próxima da realidade, de que o teto impede a farra de gastos sem limites é muito mais compreensível.

Temer andou levando algumas caneladas da turma de Bolsonaro. Onyx Lorenzoni, futuro chefe da Casa Civil, definiu a reforma da Previdência como "uma porcaria". Não é. Bolsonaro terá de apresentar a sua e certamente é a principal pauta para os mercados e para o capital. O bom senso indicaria que seria preferível ao futuro presidente que fosse votada agora. Mas não há condições no atual Congresso para tanto. Convenham: a partir de agora, todos as atenções estão voltadas para a troca de guarda no Palácio do Planalto e para a reorganização partidária, que já está em curso, com vistas à configuração do novo Congresso.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.