Topo

Reinaldo Azevedo

Cassando carta branca 2: eleito deixa claro que Moro não terá autonomia em áreas que julga ser suas, como armas e indígenas, por exemplo

Reinaldo Azevedo

06/11/2018 07h32

Na entrevista concedida a José Luiz Datena, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), cassou uma segunda carta branca, desta feita a Sérgio Moro, futuro superministro da Justiça.  Explicou que a autonomia plena do ministro vale para os assuntos que não digam respeito à Presidência da República. Ah, bom! Agora entendi. E o que vai e o que não vai dizer respeito à Presidência? Ora, aquilo que Bolsonaro decidir que sim ou que não. Que fique claro ao leitor: não estou censurando o presidente eleito por isso. Ele é que foi pedir votos ao eleitorado. O que acho uma piada é alguém vender ao distinto público a ideia de que, embora subordinado a um presidente da República, pode arrotar plena autonomia.

E por que Bolsonaro faz a tempo essa advertência? Porque sabe que Moro tem uma reputação internacional, consolidada com seu combate à corrupção. O olhar estrangeiro é incapaz de captar nuances, inclusive de nossa legislação. Mais ainda: algumas das teses do presidente eleito chocam boa parte do Poder Judiciário: maioridade penal aos 16 anos, facilitação da posse e do porte de armas, a ideia de "excludente de ilicitude" para matar bandidos, direitos humanos para "humanos direitos"… Como é que Moro vai lidar com isso tudo?

O próprio presidente decidiu facilitar a sua vida. O que sinalizar, disse ele, recuo em relação a promessas de campanha, bem, aí não tem autonomia.

E foi explícito sobre as armas: "Naquilo que somos antagônicos, vamos buscar o meio-termo".

E isso vai valer também para a demarcação de terras indígenas. Afinal, a Funai estará subordinada a Moro. Bolsonaro promete: "Não tem mais demarcação de terra indígena". Não está claro se pretende forçar a suspensão de processos já em curso ou se não aceita novas demarcações. Mas e se Moro tiver outra opinião? Sabe-se lá. Afirmou o eleito: "Afinal de contas, temos uma área mais que a região Sudeste demarcada como terra indígena. E qual a segurança para o campo? Um fazendeiro não pode acordar hoje e, de repente, tomar conhecimento, via portaria, que ele vai perder sua fazenda para uma nova terra indígena."

A tal carta branca valeria para o combate à corrupção e ao crime organizado.

Tudo indica que algumas áreas, digamos, polêmicas ficarão sob o guarda-chuva de Moro, mas será o presidente pessoalmente a decidir. O futuro ex-juiz vai apenas chancelar a decisão com sua grife — que corre um risco imenso de se desgastar.

Pode ser que o presidente eleito já tenha combinado isso com o seu futuro ministro da Justiça. A questão é saber com quem os setores interessados haverão de negociar depois.

Dado o conjunto da obra, mesmo com o pouco que se sabe — porque está claro que o poder ascendente ainda ignora para onde vai —, parece que o juiz está sendo chamado como uma peça de propaganda para algumas operações espetaculares nas áreas de combate à corrupção e ao crime. Parece-me lícito esperar que alguns medalhões da política e do empresariado caiam em desgraça e que chefetes dos partidos do crime sejam presos ou mortos em operações dignas de seriados do Netflix.

Aquelas áreas afeitas ao Ministério da Justiça que guardam intimidade com direitos humanos ou políticas de reparação podem até vir a ganhar o carimbo de Moro, mas ficarão bem longe de sua arbitragem.

E isso nada tem a ver com "carta branca". Como não a terá Paulo Guedes para reformar a Previdência.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.