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Reinaldo Azevedo

Colombo, um dos procuradores que lideraram na Itália a Operação Mãos Limpas, critica Moro por ter aceitado cargo de Ministro da Justiça

Reinaldo Azevedo

20/11/2018 16h14

Gherardo Colombo, da Mãos Limpas: Moro fez mal em aceitar cargo de ministro sem nem mesmo uma quarentena

Na Folha. Volto sem seguida:
Gherardo Colombo, um dos procuradores italianos que lideraram a Operação Mãos Limpas, marco do combate à corrupção dos anos 90, afirma não entender as razões do juiz Sérgio Moro para aceitar o convite de Jair Bolsonaro (PSL) para entrar no mundo da política, comandando um superministério da Justiça e da Segurança Pública. "Pergunto-me por quais motivos ele não poderia continuar se ocupando da corrupção como juiz", diz o ex-magistrado, hoje à frente de uma associação que ensina o bê-á-bá jurídico a jovens. Para Colombo, mesmo Moro sendo alvo de críticas de setores que o veem como parcial e abertamente antipetista, o agora ex-juiz poderia seguir em seu posto sem constrangimento.

De acordo com o entrevistado, isso ocorreria porque, no Brasil, expedientes como a interdição de pronunciamento fora dos autos e a possibilidade de substituição de um juiz cuja neutralidade seja posta em dúvida não têm a mesma força do que, por exemplo, na Itália. Além disso, Colombo levanta questionamentos sobre a adequação da "mentalidade de um juiz, necessariamente imparcial e independente" à chefia de uma pasta que tem a segurança pública em seu escopo.

A Itália tem um precedente de migração para a política de uma figura que se celebrizou no Judiciário. Foi o que aconteceu com Antonio di Pietro, colega de Colombo na Mãos Limpas. Em 1996, ele virou ministro no governo de Romano Prodi. Mas há algumas particularidades nesse caso. A primeira é a de que ele liderou a pasta de Obras Públicas, que não tinha relação com seu trabalho prévio. E Colombo frisa que Di Pietro esperou um ano e meio após o seu desligamento da magistratura para ingressar no Executivo.

Leia abaixo a entrevista, concedida por email.

O senhor acredita que a participação de Sergio Moro no governo Bolsonaro alimentará dúvidas sobre a imparcialidade de sua atuação na Lava Jato e sobre a operação como um todo? 
Acredito que os juízes devem ser e parecer imparciais. Pergunto a você: que perguntas são feitas, diante dessa nomeação, por aqueles que acompanharam os acontecimentos da Lava Jato?

Moro disse que sua entrada na gestão Bolsonaro não deveria ser vista como recompensa pela sentença que enviou Lula para a prisão e que não pode viver "com base em um álibi falso de perseguição política [ao PT]"…
Faço uma pergunta análoga: as pessoas, sabendo que Bolsonaro era o antagonista de Lula, tenderão a relacionar as duas coisas, condenação e nomeação [para o ministério]?

O projeto de Moro de levar para o ministério métodos e práticas da Lava Jato, vista com olhos favoráveis por boa parte da opinião pública, é suficiente para justificar sua decisão de ingressar no governo?
Não existe o risco de que o ministro, ainda que apenas em nível subconsciente, seja levado a ver uma eventual corrupção de representantes da força política que o nomeou de uma forma diferente daquela como vê a corrupção de quem se opõe a essa força? Pergunto-me, por outro lado, por quais motivos ele não poderia continuar se ocupando da corrupção como juiz, uma vez que não existem, no Brasil, ao contrário da Itália, instrumentos como a possibilidade de substituição de um juiz, caso sua imparcialidade seja posta em dúvida, ou a proibição de que magistrados antecipem publicamente seu juízo. [Na verdade, existem, mas sua aplicação é menos recorrente no primeiro caso, e menos severa no segundo]. Para terminar, pergunto a você se a mentalidade do juiz, necessariamente imparcial e independente (de outra forma não seria juiz), pode coincidir com a de um ministro da Segurança.

Como a nomeação de Moro difere daquela do ex-procurador italiano Antonio di Pietro, seu colega na Operação Mãos Limpas, para o Ministério de Obras Públicas de Romano Prodi, em 1996? Ele foi criticado à época?
Di Pietro foi nomeado ministro cerca de um ano e meio depois de ter abandonado as investigações da Mãos Limpas. E o foi por um presidente do conselho [primeiro-ministro], Romano Prodi, que havia militado por muito tempo na Democracia Cristã, um partido com muitos membros investigados e também presos na Mãos Limpas. Por isso, a nomeação não provocou comoção; se suscitou críticas, elas foram bastante limitadas.  

Se Moro tivesse esperado um pouco mais para entrar na política, o volume e a virulência das críticas teriam sido menores?
Para mim, um juiz que deseja assumir um compromisso político, principalmente se ele se tornou famoso por suas investigações, deveria abandonar definitivamente a magistratura e deixar passar um tempo razoável entre sua demissão e a entrada na política. Também deveria, em todo caso, assumir esse compromisso de maneira que não se pudesse nem sequer suspeitar de que a política influenciou suas decisões.

Comento
Como se vê, quem diz o que parece ser óbvio não é um defensor da corrupção ou alguém que ignore esse trabalho. Ao contrário: Colombo foi uma das estrelas da operação na qual Sérgio Moro diz se inspirar. Que nós, brasileiros, estejamos nos acostumando a literalmente qualquer coisa em matéria de estado de direito, quando se alega o combate à corrupção, bem, isso é um dado da realidade. Mas é claro que a prática causa estranhamento a especialistas de países em que se exige, além do respeito à ordem legal, também o cumprimento do decoro.

Moro, como é sabido, não fez e não vai fazer quarentena nenhuma. Ao contrário: ele havia decidido que permaneceria como dublê de membro do Judiciário e ministro nomeado até o dia 19 de dezembro. Só decidiu pedir exoneração porque foi aberto contra ele um procedimento no Conselho Nacional de Justiça para apurar se atuou de forma partidarizada quando juiz.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.