Bolsonaro lava roupa suja na beira do tanque; vídeo divulgado por assessoria é populismo bobo; eleito mimetiza Lula com sinal invertido

Bolsonaro pendura roupas no varal durante descanso em área da Marinha
Que interesse pode haver em um vídeo em que um homem lava roupa num tanque — segundo consta, roupa de mergulho? Bem, cumpre perguntar à assessoria de Jair Bolsonaro. O filme é de uma criatividade encantadora. Vê-se o presidente eleito, de bermuda cinza e camiseta azul, esfregando e torcendo duas peças. Em seguida, ele as dependura no varal.
Não há texto, não há contexto, não há nada. Nem romance sueco pós-moderno é tão minimalista. É pena que Lars Gustaffson, que escreveu "A Morte de um Apicultor", não vá poder saborear a cena porque se foi em 2016. A rotina de Lars Westin, o apicultor que é personagem de seu romance, pareceria novela de cavalaria comparada ao vídeo que veio a público.
Bem, a coisa não teria interesse nenhum não fosse o fato de que se trata do presidente eleito. Opa! Esperem aí: aumenta a falta de importância, não é mesmo?
A intenção parece clara: demonstrar que Bolsonaro é um homem comum, simples, desapegado, que leva uma rotina como a nossa. Ele também lava roupa. E, creio, tenta-se demonstrar, adicionalmente, que não é machista. Quando John Bolton o visitou nem sua casa, no Rio, todos vimos a mesa bagunçada do café…
Bolsonaro passou o domingo numa área da Restinga da Marambaia, no Rio, que é administrada pelas Forças Armadas. É a região onde os torturadores e assassinos desovaram o corpo do deputado Rubens Paiva.
O eleito está com uma bolsa de colostomia e não pode mergulhar. Não se sabe de quem era a vestimenta que lavava.
Se um presidente assim o quiser, nunca tocará num trinco de porta porque alguém se encarrega de abri-la. Também não precisa gastar um miserável tostão com alimentação ou administração do lar porque o poder público se encarrega desses custos. Percebam o aparato de pessoas e veículos de segurança que acompanha Bolsonaro a cada vez que ele se desloca. O filme divulgado é demagogia populista. Há um exército de mordomos invisíveis cuidando de Bolsonaro e de sua família. A menos que ele não resista a um tanque ou que considere uma distinção moral lavar roupa, é evidente que há um batalhão que pode fazer isso por ele.
Espero que resistam à tentação de filmá-lo fazendo faxina nos palácios da Alvora e do Planalto a partir de 2 de janeiro.
Poucos se dão conta de que Bolsonaro tenta ser uma espécie de Lula no espelho. Também o presidente petista gostava de exibir a sua simplicidade, a sua origem humilde, o seu desapego, a sua informalidade. Ao mesmo tempo, não perdia uma só oportunidade de exibir os supostos marcos inaugurais de seu governo.
Bolsonaro mimetiza Lula — e o próprio general Augusto Heleno já destacou em entrevista essa proximidade, embora, claro!, tenha criticado o petista. Mas, como resta evidente, o presidente eleito espelha — e, pois, inverte — o sinal ideológico. Chegou a vez da versão de extrema-direita do homem do povo.
Para quem caça metáforas, uma fica à solta na imagem: Bolsonaro está lavando roupa suja. De quem?