PT BOLSONARISTA 2: Algumas bobagens dos petistas foram cabos eleitorais de Bolsonaro; as duas forças são, de fato, inimigas íntimas
Os malucos do bolsonarismo, sob a inspiração do prosélito Olavo de Carvalho, sustentam que o "marxismo cultural" tem uma espécie de centro de irradiação e distribui tarefas a grupos militantes, encarregados de derrubar os pilares da civilização ocidental. Os agentes dessa versão ateia do satanismo seriam os gays, as feministas, a imprensa e, ora vejam, os liberais. Ou as pessoas se alinham com a seita olavista, de que o presidente seria uma espécie de profeta ignaro, mas puro — como um Galaaz em busca do cálice sagrado — ou são agentes do inimigo e merecem ser sacrificados em nome da pureza. Quantos realmente acreditam nisso? Poucos. A fábula conspiratória, no entanto, tornou-se um lugar de poder. Convenham: ajudou a eleger um presidente da República.
Ocorre que esse movimento reproduz, com sinal trocado, o que se passa do outro lado do espelho. A mobilização de amplos setores da sociedade venezuelana e de democratas mundo afora contra a ditadura comandada por Maduro seriam, segundo o PT e alguns outros setores das esquerdas, expressões da outra conspiração. Nesse caso, grupos de extrema-direita e os liberais — olhem os pobres aí de novo, apanhando dos dois lados — estariam mancomunados contra um governo popular, uma alternativa ao capitalismo e ao neoliberalismo. E pouco importam as consequências e o custo da construção desse outro modelo.
Assim como duvido que um Olavo de Carvalho acredite nas próprias palavras — para ele, o fundamental é que outros acreditem —, aposto que a cúpula petista considera Maduro um paspalho. Mas ele serve à construção de um "discurso de resistência". Se Bolsonaro e alguns de seus fanáticos sustentam que um ente de razão se organiza para ganhar as consciências e impor o seu projeto, os petistas conferem verossimilhança a essa fantasia ao vender os adversários como vozes de uma outra ordem espiritual, também esta disposta a impor os seus valores.
No fim das contas, a tal "guerra cultural" que a extrema-direita pretende levar adiante tem no petismo o seu maior aliado. Convenham: algumas das bobagens da metafísica petista foram cabos eleitorais eficientes de Bolsonaro. As duas forças são inimigas íntimas.