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Reinaldo Azevedo

Mendes, do STF, é alvo de investigação e de vazamento ilegais; o Judiciário está na mira. O que afirma o “agente” e a tal CPI do Senado

Reinaldo Azevedo

08/02/2019 16h57

Ministro Gilmar Mendes: alvo permanente do Partido da Polícia, que não aceita os limites da democracia

Documentos vazados à imprensa sabe-se lá por quem, mas certamente da Receita Federal, indicam que o ministro Gilmar Mendes e sua mulher. A advogada Guiomar Mendes, são alvos de uma operação para saber se praticaram "fraudes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência". Atenção! Se tudo isso tivesse acontecido, tratar-se-ia de uma investigação criminal, o que não é tarefa da Receita. Para registro: nem o ministro nem sua mulher foram notificados. Como virou hábito desde que o lava-jatismo tomou conta do pedaço, o vazamento precede qualquer eventual procedimento formal que diga respeito, então, à pessoa que está tendo sua vida escrutinada. Mas calma! Não há investigação nenhuma. Há ilações de um agente.

Alguém, no país, está acima da investigação? Não! E isso inclui Mendes e sua mulher. Mas a apuração, que jamais deveria ter vazado, tem algum objeto? Não! Segue o padrão comum às ditaduras, não às democracias. Poderia ser resumido assim: "Vamos investigar para ver se há alguma coisa". O documento que indica a investigação em curso foi vazado à Veja Online.

O ministro solicitou ao presidente do STF, Dias Toffoli, e à Procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que o caso seja investigado. No requerimento, escreve:
"Referida casuística não é inovadora nem contra minha pessoa nem contra outros membros do Poder Judiciário, em especial em momentos em que a defesa de direitos individuais e de garantias de direitos constitucionais desagrada determinados setores ou agentes".

Dias Toffoli já encaminhou o pedido de apuração ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e ao secretário da Receita Federal, Marcos Cintra: "Solicito que sejam tomadas as providências cabíveis quanto aos fatos narrados pelo ministro Gilmar Mendes".

Para entender o caso
Em novembro, o IDP — faculdade de direito de que o ministro é sócio — recebeu a solicitação para prestar esclarecimentos à Receita. Havia ocorrido pouco antes uma reorganização societária, e esse tipo de procedimento, por si, não tem nada de irregular. Ocorre que esses atos têm determinados códigos, que identificam o tipo de verificação que está sendo feita. A que estava em questão, ficou claro então, usava a empresa apenas como pretexto. Os alvos eram o ministro e sua mulher. O auditor fiscal estava a serviço, então, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal.

O auditor teria encontrado uma possível irregularidade na declaração de Guiomar envolvendo horários advocatícios: uma incongruência de datas entre a informação prestada por ela e pelo escritório ao qual ela é associada. Montante que teria despertado a suspeita: R$ 200 mil!!!

Foi o bastante para o indigitado fiscal escrever:
"O tráfico de influência geralmente se dá pelo julgamento de ações advocatícias de escritórios ligados ao contribuinte ou seus parentes, onde o próprio magistrado ou um de seus pares facilita o julgamento. O escritório ou empresa ligado ao contribuinte também poderá estar sendo utilizado com o intuito de lavagem de dinheiro".

O ânimo persecutório é evidente. E o vazamento tem um propósito político. O alvo não é Gilmar Mendes, mas o Poder Judiciário.

Ação do governo Bolsonaro?
Algumas coisas precisam ficar claras:

– a investigação não começou no governo Bolsonaro — portanto, descarte-se que possa ter havido uma interferência do Poder Executivo no início do ato de intimidação;
– a origem de um troço como esse está num grupo criado, no ano passado, na Receita para investigar 800 agentes públicos. Quais? A escolha era aleatória. Investigar quem eles achavam que deveria ser investigado. Isso é muito comum na Venezuela, na Coreia do Norte, na Rússia, na Turquia, em Cuba…;
– reitere-se: não se trata de, a partir de dados conflitantes, abrir processos de apuração, mas de definir uma lista prévia.

Coincidência
Gilmar Mendes não se tornou um alvo de um agente da Receita que estava a serviço do que chamo "Partido da Polícia" neste governo. Mas, por óbvio, há uma absoluta coincidência entre a ilação feita pelo tal agente e a motivação alegada por senadores que querem fazer uma "CPI do Supremo", com o claro intuito de intimidar o tribunal. E, sim, esses parlamentares pertencem à base do governo.

Estão a serviço de Bolsonaro? Foi o presidente que mandou? Não sou irresponsável. Deixo afirmações desse calibre para essa canalha que anda por aí nas redes a se fingir de jornalistas. Não há elementos para isso — e, reitere-se, a tal apuração vem do ano passado.

Mas é claro que quem vazou o documento está interessado em dar supostos elementos fáticos que justifiquem a descabida CPI. Obviamente, Gilmar Mendes é o alvo dessa operação, mas ela busca intimidar o Poder Judiciário.

"Mas a serviço de quem, Reinaldo? De Bolsonaro?"

A minha resposta é esta: alguns tontos até podem achar que estão prestando um serviço. Mas, em princípio, a minha resposta é "não". Essa gente, se preciso, arreganha os dentes também para o presidente. A captura do Estado pelo Partido da Polícia transcende em muito o bolsonarismo, seus aliados e alguns bobos que acreditam que transparência é agredir todo e qualquer princípio comezinho do Estado de Direito. O bolsonarismo apenas se associou ao Partido da Polícia, de que a expressão máxima é Sérgio Moro. Mas a coisa é bem mais ampla e mais perigosa. E, como se vê, não respeita limites legais.

Se a, digamos, "nova ordem" começar a condescender com métodos dessa natureza, torna-se refém dessa turma. Se é que já não é.

Se a Receita não investigar a fundo essa safadeza e chegar aos responsáveis, é Bolsonaro quem entra na fila dos alvos. O Judiciário, como um todo, já está nela. E o Congresso também, embora, por lá, alguns idiotas aplaudam a agressão escancarada.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.