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Reinaldo Azevedo

COLUNA NA FOLHA: Propostas de Moro de combate à violência contribuiriam para aumentá-la. Metafísica da morte como política

Reinaldo Azevedo

08/02/2019 08h40

Faço aqui um desafio: que alguém explique como o tal pacote apresentado por Sergio Moro pode resultar na queda da violência. O que está lá é a diminuição da interdição para matar. O plano tenta ainda dirimir questões constitucionais por meio de projeto de lei e transferir para o Ministério Público competências que, nas boas democracias do mundo, pertencem ao Judiciário. Estaríamos barganhando garantias democráticas por prerrogativas adicionais para o "Partido da Polícia".

Em vídeo, Moro refletiu: "O crime organizado alimenta a corrupção, que alimenta o crime violento. Boa parte dos homicídios está relacionada à disputa por tráfico de drogas ou dívida de drogas. Por outro lado, a corrupção esvazia os recursos públicos que são necessários para implementar políticas de segurança públicas efetivas." É mesmo?

Se Moro estiver certo, ao propor, na "Medida V", regime inicialmente fechado para os crimes de peculato, corrupção passiva e corrupção ativa, estaria, na verdade, sugerindo um esforço para diminuir o tráfico de drogas nos morros do Rio. Segundo a circularidade indemonstrável do doutor, a prisão de assaltantes deixaria de sobreaviso os peculadores. No sentido inverso, ao trancafiar um corrupto, a polícia poderia comemorar: "Vai faltar pó para os bacanas".
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O que há de errado com Artigo 23 do Código Penal? "Não há crime quando o agente pratica o fato: I- em estado de necessidade; II- em legítima defesa; III- em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parágrafo único: O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo." Na versão de Moro, haveria este apenso: "O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção."

O Parágrafo 1º do Artigo 121 do mesmo Código já inclui a "violenta emoção" como causa possível de redução da pena em caso de homicídio: de um sexto a um terço. Insista-se: em caso de homicídio. Moro quer abrandar a punição "até a metade" ou extingui-la para qualquer excesso.

Estudo consistente, posso fornecer a fonte ao ministro, aponta que homicídios por impulso ("violenta emoção") ou por motivos fúteis, a depender do Estado, caracterizam de 25% a 80% dos eventos com causas identificadas. A afirmação de Moro de que a maioria dos homicídios está ligada ao tráfico de drogas é chute. Até porque seria necessário conhecer os respectivos autores. E estes são identificados em apenas 8% das vezes.
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Justifica-se a morte preventiva. Há uma diferença entre quem repele "agressão atual ou iminente" e quem mata com o intuito de prevenir. Depois de aplaudir a facilitação da posse de armas e de piscar para a generalização do porte, o nosso justiceiro pretende dar efetividade à mudança. Ora, se um indivíduo não puder se armar, com direito ao "medo", "à surpresa", à "violenta emoção" e à morte preventiva, pode o quê? "Mais Brasil e menos Brasília". O pacote de Moro não combate a violência. Ele justifica o violento. Eis o homem.
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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.