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Reinaldo Azevedo

O pedido de suspeição de Mendes e a permanente depredação das instituições

Reinaldo Azevedo

07/03/2019 06h29

Deltan Dallagnol: sem ter como justificar decisão tomada pela República de Curitiba, ele apela à depredação da reputação de ministro do Supremo. Como de hábito

O coordenador da Força Tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, enviou à Procuradoria-Geral da República um pedido de suspeição de  Gilmar Mendes, tentando impedir que o ministro julgue uma Reclamação encaminhada ao tribunal pela defesa de Paulo Vieira de Souza, conhecido por "Paulo Preto".

Não chega a surpreender. Quando Deltan não está atacando o ministro nas redes sociais, ele está apresentando petições contra o magistrado. O conjunto da obra é uma evidência do baguncismo de que essa turma é protagonista. E tudo sob o pretexto de cassar corruptos. Não se chega à Presidência dos vídeos "XXX" da noite para o dia. Acompanhem.

A Força Tarefa da Lava Jato deu um jeito de levar para Curitiba uma investigação envolvendo Souza.

Pergunta: A turma de procuradores não investiga os desvios havidos na Petrobras, e a 13ª Vara Federal não trata exclusivamente dos casos envolvendo a empresa?

Resposta: "Sim!"

Pergunta: E como é que Souza, que é acusado de ser "operador dos tucanos", foi parar em Curitiba, com prisão preventiva decretada, se a força-tarefa investiga as lambanças havidas na Petrobras e que teriam beneficiado petistas e seus aliados?

Resposta: Não há resposta.

Pergunta: Souza teria, então, pagado propina a diretores da Petrobras, embora, como se acusa, operasse para tucanos?

Resposta: Isso não faria sentido.

Pergunta: Então como aconteceu?

Resposta: A narrativa é ainda mais criativa.

Segundo a acusação, que resultou na prisão preventiva de Souza, a Odebrecht — esta, sim, investigada no âmbito da Lava Jato — teria feito uma triangulação com o ex-diretor da Dersa para enviar recursos ao exterior que este teria amealhado ilegalmente na sua relação com empreiteiras. Mas, ainda assim, pergunte-se e se responda: existe nexo com a roubalheira na Petrobras? Não! Então por que o caso de Souza saiu de São Paulo e foi parar em Curitiba? Porque é a vontade de Deltan Dallagnol. E isso, para alguns, deveria bastar.

Só uma informação: até membros do Ministério Público Federal absolutamente identificados com a operação ficaram um tanto, como direi?, vexados com a manobra de Dallagnol — que decidiu, lembre-se, em seu permanente desassombro, ser também youtuber, além de frequentar o Twitter com mais determinação do que Jair Bolsonaro. A sua produção na linha "XXX" tem a ver com o Estado de Direito — ou a degradação dele. Adiante.

A defesa de Souza fez o óbvio: entrou com uma Reclamação, de que o relator é Gilmar Mendes. E como fazer para intimidar o ministro, de sorte que ele não ouse eventualmente tirar o peixe da boca do gato? Ora, alegando a sua suspeição. E como?

Um celular do ex-ministro Aloysio Nunes Ferreira, apreendido na 60ª fase da Operação Lava Jato, indica que ele trocou telefonemas com Mendes. O ex-chanceler pediu ainda a Raul Jungmann, seu ex-colega de ministério, o número do celular do ministro do Supremo. Como, logo depois desses eventos, o magistrado concedeu uma liminar, atendendo a um pedido de Souza, para que novas oitivas fossem feitas numa ação penal que apura supostos desvios R$ 7,7 milhões envolvendo obras do Rodoanel, Dallagnol concluiu que Mendes perdeu a isenção para julgar qualquer outro caso relativo ao ex-diretor do Dersa.

Aí o leitor começa a desconfiar deste escriba: "Pô, Reinaldo, pense bem! Logo depois da conversa com Nunes, que também é investigado na 60ª fase da Lava Jato, o ministro deu uma liminar favorecendo Souza…"

É verdade, leitor amigo! Só que o próprio ministro cassou a liminar atendendo a pedido da Procuradoria-Geral da República.

ENTENDERAM? A LIMINAR QUE SUPOSTAMENTE TERIA SIDO MOTIVADA POR ALGUMA RELAÇÃO IMPRÓPRIA ENTRE NUNES E MENDES NÃO EXISTE MAIS. E, NO TEMPO EM QUE EXISTIU, NÃO TEVE EFEITO PRÁTICO NENHUM NAS PRETENSÕES DO ÓRGÃO ACUSADOR.

É estupefaciente! Trechos de conversas que indicariam o suposto comprometimento da isenção de Mendes evidenciam justamente o contrário. Se é verdade que o ex-chanceler conversou com o ministro do Supremo sobre o caso Souza, este foi o resumo que ele fez da conversa a Jungmann: "[Gilmar Mendes foi] vago, cauteloso, como não poderia ser diferente".

A propósito: ainda que Nunes tivesse escrito algo como "Ah, o Gilmarzão já está no papo! Tudo resolvido", caberia a pergunta: os desdobramentos justificariam a afirmação?

Mais: que intimidade estupenda é essa que Nunes mantinha com Mendes se não tinha nem mesmo o seu celular? Com esse grau de distanciamento, convenham, fica difícil fazer uma armação.

Dallagnol só faz o que faz porque sabe que dificilmente conseguirá manter o caso em Curitiba pela simples e boa razão de que o nexo criado entre Souza e a Petrobras é mais artificial do que sabor de groselha do antigo Q-Suco.

Ah, não! Notem que, mais uma vez, não estou asseverando nem a culpa nem a inocência de ninguém. Para não variar — e isto me custa caro, mas não me escuso de escrever o que tem de ser escrito —, estou cobrando o respeito ao devido processo legal.

Quando o faço no caso de Lula, sou chamado de petista.

Quando o faço no caso de Souza, sou chamado de tucano.

Quando o faço no caso de Flávio Bolsonaro, sou chamado de sabotador do governo dos patriotas da hora.

Condenação
A propósito de Souza, leio na Folha:

"A um dia da prescrição de um dos processos em que é réu, o ex-diretor da Dersa (estatal paulista de rodovias) Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, foi condenado nesta quarta-feira (6) pela segunda vez na Lava Jato, a 145 anos e oito meses de prisão.
(…)
Nesta ação, Paulo Preto foi acusado pelo Ministério Público Federal de desvios no valor de R$ 7,7 milhões (mais de R$ 10 milhões corrigidos) em reassentamentos no trecho sul do Rodoanel, obra viária que circunda São Paulo
."

Sendo verdade, é evidente, é feio desviar R$ 10, R$ 7,7 milhões ou R$ 200 milhões. O desvio é feio em si. O valor, parece, é um dos elementos que servem para calibrar a pena.

De novo: digamos que seja tudo verdade. Isso não tem cheiro de "pena de propaganda"? Souza parece ter virado um troféu.

Um Ministério Público que escolhe a depredação do Supremo e uma Justiça que parece olhar mais para a excitação da opinião pública do que para o equilíbrio entre os delitos e as penas, acreditem, não contribuem para fazer um país melhor.

Não sei se notaram: ele continua piorando.

Ah, sim: na semana passada, quando critiquei o ataque vil ao ex-presidente Lula por ocasião da tragédia familiar que o colheu, as hostes do ódio me acusaram de "petismo". Agora é a vez de gritar: "Tucano!"

Quando eu perguntar: "E o Fabrício Queiroz?" Aí cabe berrar: "Comunista!"

Só não valem "petralha" e "esquerdopata". Fui eu que inventei essas palavras e sou dono, por óbvio, de seus respectivos sentidos. E os "direitopatas" as empregam de maneira imprópria. Entre um filminho e outro de sacanagem. Antes da reza.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.