O pedido de suspeição de Mendes e a permanente depredação das instituições
O coordenador da Força Tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, enviou à Procuradoria-Geral da República um pedido de suspeição de Gilmar Mendes, tentando impedir que o ministro julgue uma Reclamação encaminhada ao tribunal pela defesa de Paulo Vieira de Souza, conhecido por "Paulo Preto".
Não chega a surpreender. Quando Deltan não está atacando o ministro nas redes sociais, ele está apresentando petições contra o magistrado. O conjunto da obra é uma evidência do baguncismo de que essa turma é protagonista. E tudo sob o pretexto de cassar corruptos. Não se chega à Presidência dos vídeos "XXX" da noite para o dia. Acompanhem.
A Força Tarefa da Lava Jato deu um jeito de levar para Curitiba uma investigação envolvendo Souza.
Pergunta: A turma de procuradores não investiga os desvios havidos na Petrobras, e a 13ª Vara Federal não trata exclusivamente dos casos envolvendo a empresa?
Resposta: "Sim!"
Pergunta: E como é que Souza, que é acusado de ser "operador dos tucanos", foi parar em Curitiba, com prisão preventiva decretada, se a força-tarefa investiga as lambanças havidas na Petrobras e que teriam beneficiado petistas e seus aliados?
Resposta: Não há resposta.
Pergunta: Souza teria, então, pagado propina a diretores da Petrobras, embora, como se acusa, operasse para tucanos?
Resposta: Isso não faria sentido.
Pergunta: Então como aconteceu?
Resposta: A narrativa é ainda mais criativa.
Segundo a acusação, que resultou na prisão preventiva de Souza, a Odebrecht — esta, sim, investigada no âmbito da Lava Jato — teria feito uma triangulação com o ex-diretor da Dersa para enviar recursos ao exterior que este teria amealhado ilegalmente na sua relação com empreiteiras. Mas, ainda assim, pergunte-se e se responda: existe nexo com a roubalheira na Petrobras? Não! Então por que o caso de Souza saiu de São Paulo e foi parar em Curitiba? Porque é a vontade de Deltan Dallagnol. E isso, para alguns, deveria bastar.
Só uma informação: até membros do Ministério Público Federal absolutamente identificados com a operação ficaram um tanto, como direi?, vexados com a manobra de Dallagnol — que decidiu, lembre-se, em seu permanente desassombro, ser também youtuber, além de frequentar o Twitter com mais determinação do que Jair Bolsonaro. A sua produção na linha "XXX" tem a ver com o Estado de Direito — ou a degradação dele. Adiante.
A defesa de Souza fez o óbvio: entrou com uma Reclamação, de que o relator é Gilmar Mendes. E como fazer para intimidar o ministro, de sorte que ele não ouse eventualmente tirar o peixe da boca do gato? Ora, alegando a sua suspeição. E como?
Um celular do ex-ministro Aloysio Nunes Ferreira, apreendido na 60ª fase da Operação Lava Jato, indica que ele trocou telefonemas com Mendes. O ex-chanceler pediu ainda a Raul Jungmann, seu ex-colega de ministério, o número do celular do ministro do Supremo. Como, logo depois desses eventos, o magistrado concedeu uma liminar, atendendo a um pedido de Souza, para que novas oitivas fossem feitas numa ação penal que apura supostos desvios R$ 7,7 milhões envolvendo obras do Rodoanel, Dallagnol concluiu que Mendes perdeu a isenção para julgar qualquer outro caso relativo ao ex-diretor do Dersa.
Aí o leitor começa a desconfiar deste escriba: "Pô, Reinaldo, pense bem! Logo depois da conversa com Nunes, que também é investigado na 60ª fase da Lava Jato, o ministro deu uma liminar favorecendo Souza…"
É verdade, leitor amigo! Só que o próprio ministro cassou a liminar atendendo a pedido da Procuradoria-Geral da República.
ENTENDERAM? A LIMINAR QUE SUPOSTAMENTE TERIA SIDO MOTIVADA POR ALGUMA RELAÇÃO IMPRÓPRIA ENTRE NUNES E MENDES NÃO EXISTE MAIS. E, NO TEMPO EM QUE EXISTIU, NÃO TEVE EFEITO PRÁTICO NENHUM NAS PRETENSÕES DO ÓRGÃO ACUSADOR.
É estupefaciente! Trechos de conversas que indicariam o suposto comprometimento da isenção de Mendes evidenciam justamente o contrário. Se é verdade que o ex-chanceler conversou com o ministro do Supremo sobre o caso Souza, este foi o resumo que ele fez da conversa a Jungmann: "[Gilmar Mendes foi] vago, cauteloso, como não poderia ser diferente".
A propósito: ainda que Nunes tivesse escrito algo como "Ah, o Gilmarzão já está no papo! Tudo resolvido", caberia a pergunta: os desdobramentos justificariam a afirmação?
Mais: que intimidade estupenda é essa que Nunes mantinha com Mendes se não tinha nem mesmo o seu celular? Com esse grau de distanciamento, convenham, fica difícil fazer uma armação.
Dallagnol só faz o que faz porque sabe que dificilmente conseguirá manter o caso em Curitiba pela simples e boa razão de que o nexo criado entre Souza e a Petrobras é mais artificial do que sabor de groselha do antigo Q-Suco.
Ah, não! Notem que, mais uma vez, não estou asseverando nem a culpa nem a inocência de ninguém. Para não variar — e isto me custa caro, mas não me escuso de escrever o que tem de ser escrito —, estou cobrando o respeito ao devido processo legal.
Quando o faço no caso de Lula, sou chamado de petista.
Quando o faço no caso de Souza, sou chamado de tucano.
Quando o faço no caso de Flávio Bolsonaro, sou chamado de sabotador do governo dos patriotas da hora.
Condenação
A propósito de Souza, leio na Folha:
"A um dia da prescrição de um dos processos em que é réu, o ex-diretor da Dersa (estatal paulista de rodovias) Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, foi condenado nesta quarta-feira (6) pela segunda vez na Lava Jato, a 145 anos e oito meses de prisão.
(…)
Nesta ação, Paulo Preto foi acusado pelo Ministério Público Federal de desvios no valor de R$ 7,7 milhões (mais de R$ 10 milhões corrigidos) em reassentamentos no trecho sul do Rodoanel, obra viária que circunda São Paulo."
Sendo verdade, é evidente, é feio desviar R$ 10, R$ 7,7 milhões ou R$ 200 milhões. O desvio é feio em si. O valor, parece, é um dos elementos que servem para calibrar a pena.
De novo: digamos que seja tudo verdade. Isso não tem cheiro de "pena de propaganda"? Souza parece ter virado um troféu.
Um Ministério Público que escolhe a depredação do Supremo e uma Justiça que parece olhar mais para a excitação da opinião pública do que para o equilíbrio entre os delitos e as penas, acreditem, não contribuem para fazer um país melhor.
Não sei se notaram: ele continua piorando.
Ah, sim: na semana passada, quando critiquei o ataque vil ao ex-presidente Lula por ocasião da tragédia familiar que o colheu, as hostes do ódio me acusaram de "petismo". Agora é a vez de gritar: "Tucano!"
Quando eu perguntar: "E o Fabrício Queiroz?" Aí cabe berrar: "Comunista!"
Só não valem "petralha" e "esquerdopata". Fui eu que inventei essas palavras e sou dono, por óbvio, de seus respectivos sentidos. E os "direitopatas" as empregam de maneira imprópria. Entre um filminho e outro de sacanagem. Antes da reza.