Topo

Reinaldo Azevedo

Entenda: Lava Jato quer fundação privada bilionária com grana da Petrobras

Reinaldo Azevedo

08/03/2019 07h46

Trecho do acordo do MPF com a Petrobras em que a empresa vira a fonte de uma fundação de direito privado bilionária, que ficará com a Lava Jato se o STF permitir que prospere a pouca vergonha

Na minha coluna desta sexta, na Folha, trato de um assunto de extrema gravidade. Publico abaixo alguns trechos, e vocês vão entender a que me refiro.
*
A Lava Jato deixou no chinelo os privatistas mais fanáticos, o que me inclui. Deltan Dallagnol e seus d'Artagnans decidiram privatizar uma fatia do próprio Estado. Esses mosqueteiros atuam a serviço da corporação a que pertencem, não do reino. A força-tarefa celebrou, no dia 23 de janeiro, um acordo bilionário com a Petrobras, sob a supervisão de autoridades dos EUA.
(…)
O item 4 das "Considerações" do arranjo informa: "A Petrobras respondia a procedimentos administrativos nos EUA e (…) optou por celebrar acordo com a Securities and Exchange Commission (SEC) e com o Departamento de Justiça norte-americano (DoJ) (…). Por Iniciativa do Ministério Público Federal e da Petrobras, as Autoridades Norte-Americanas consentiram com que até 80% do valor previsto nos acordos com as autoridades dos EUA sejam satisfeitos com base no que for pago no Brasil pela Petrobras, conforme acordado com o MPF".

A grana é alta. A Petrobras teria de pagar multa de US$ 853,2 milhões aos americanos. Do total, US$ 682,56 milhões ficarão no Brasil.
(…)
Do total já depositado numa conta vinculada à 13ª Vara Federal de Curitiba (R$ 2,5 bilhões), metade fica reservada para "a satisfação de eventuais condenações ou acordos" em "ação de reparação" (Item 2.3.2 da Cláusula Segunda). Parece justo. E a outra metade? Aí vem o pulo dos gatos… Uma bolada de R$ 1,25 bilhão, segundo o item 2.4, "deverá constituir um 'endowment' (um fundo patrimonial)". E sua administração "será feita por entidade a ser constituída (…) na forma de uma fundação de direito privado mantenedora" (Item 2.4.1).

O dinheiro, que deveria ser recolhido ao Tesouro, vai engordar uma fundação de direito privado que estará sob o comando do MPF. Mas não de qualquer um. O Item 2.4.4 especifica: "O MPF no Paraná e o MP do Paraná terão a prerrogativa (…) de ocupar um assento cada no órgão de deliberação superior da fundação mantenedora (…)". Ah, sim: a sede tem de ficar em Curitiba (item 2.4.2)
(…)

A íntegra da coluna está aqui

Comento
Sim, vocês entenderam direito. A Força Tarefa, capitaneada pelo dublê de youtuber e procurador Deltan Dallagnol, já se acha forte o bastante para chutar o traseiro do Poder Judiciário brasileiro — o acordo homologado na Justiça Federal de Curitiba tem valor, vamos dizer, meramente clânico —, e dos órgãos de regulação do país. Celebra acordos "cozamericânu" e não dá pelota para a brasileirada.

Saibam de uma coisa. No tal acordo, está acertado o seguinte: ou a bolada de R$ 1,25 bilhão fica com a fundação privada, ou a Petrobras terá de pagar o dinheiro ao Tesouro americano. Entenderam? Essa multa foi aplicada por órgãos daquele país. Deltan foi lá e negociou: "Pô, vamos deixar isso no Brasil"… Mas estabeleceu as condições: metade vai para uma fundação de direito privado. E quem vai comandar a dita-cuja? O Ministério Público Federal NO Paraná e o Ministério Público DO Paraná.

Inexistem esses entes no Brasil. Existe o Ministério Público.

Como a Lava Jato goza de quase imunidade na imprensa, seus protagonistas têm a convicção absoluta de que todas as suas ações, mesmo as mais deletérias, contarão com endosso automático. Tem sido assim. Ah, sim: a tal fundação terá a nobre missão de combater a corrupção… Nem me diga.

Como se vê, a expressão "República de Curitiba" começa a deixar de ser uma metáfora. Por enquanto, a Lava Jato se apropria de um pedaço do Estado. Mas parece que está mesmo destinada a capturar o Estado todo. Já tem o seu pilar fincado no Poder Executivo: Sérgio Moro. Este, por sua vez, é hoje um dos homens mais poderosos do país e se prepara para voos maiores. Pretende agora fazer o procurador-geral da República. Se acontecer, Jair Bolsonaro vira de vez o seu refém.

Ao criar a sua fundação de direito privado para ficar com a multa paga pela Petrobras, ocorre-me que a Lava Jato já não é uma força que combate a corrupção. Está mais para os caçadores de recompensa do filme "Os Oito Odiados", de Tarantino. Gosto do peso simbólico que tem a obra porque sempre afirmei a amigos que o diretor ainda faria um filme em que todos morreriam no fim. Aconteceu.

A penca de violações da Lava Jato ao Estado de Direito, sob o pretexto de combater a corrupção, é um assombro. Quem ousa apontar o abuso é tratado como leniente com os malfeitos. Isso confere a seus agentes poderes absolutos. E Deltan resolveu ousar: "Por que não fazer um entendimento com autoridades dos EUA que seja imune ao crivo da Justiça brasileira"? E assim ele fez. E conseguirá ter sob o seu comando, se o STF permitir que prospere a pouca vergonha, uma das fundações mais ricas do país. Com dinheiro da Petrobras. A empresa que eles prometeram resgatar das mãos de larápios.

Vamos ver como termina essa história. A República de Curitiba já tem seu próprio direito penal; já tem, como vimos, seu próprio Ministério Público; já tem seu braço no governo; terá a sua fundação bilionária se o Supremo se comportar como um bando de bananas… Luta para ter o seu procurador-geral. Aí faltará ter um candidato à Presidência.

Certamente será um amigo da "fundação".

Acho que, desta feita, perderam o senso de limites. E do ridículo.

Como? Vocês não acreditam em mim? O tal acordo está aqui. Leiam vocês mesmos.

Depois se ajoelhem com a cabeça voltada para Curitiba.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.