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Reinaldo Azevedo

Live 2 – Generais traem Bolsonaro e citam livros!!! Revelo quais são eles

Reinaldo Azevedo

08/03/2019 00h04

Recomendo ler primeiro "Live 1 – O fardo militar: Bolsonaro diz ter mais a desfazer do que a fazer"

Max Weber e Samuel Huntington: generais recorreram a pensadores para tentar, sem conseguir, justificar besteira dita pelo presidente. Aliás, autores afirmam precisamente o contrário

Qual é seu assunto predileto, leitor? Bolsonaro falou sobre democracia e Forças Armadas (já chego lá), bananas, carteira de habilitação, sindicatos, Previdência, Caderneta de Saúde dos Adolescentes, concurso do Banco do Brasil, lombada eletrônica, falta de transparência no BNDES, gastos com cartão corporativo… Felizmente, não houve referência a filmes pornôs nem a chuvas diferenciadas e suas metáforas. É certo que nunca antes na história deste país, como dizia o Lula, um presidente da república juntou numa só intervenção banana com lombada eletrônica.

No fim das contas, era tudo conversa mole para tratar do assunto relevante e que havia gerado mal-estar numa cerimônia militar havida de manhã, quando afirmou: "A missão será cumprida ao lado das pessoas de bem do nosso Brasil, daqueles que amam a pátria, daqueles que respeitam a família, daqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa, daqueles que amam a democracia. E isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Força Armada assim o quer".

Na live, disse que sua fala havia gerado polêmica e resumiu assim o seu pensamento, errando de novo: "Eu falei que, no Brasil, nós devemos às Forças Armadas a nossa democracia e a nossa liberdade". Sustentou ser assim no mundo. Se um governante de qualquer democracia fizer uma afirmação como essa, é derrubado pelo Parlamento. Devemos isso tudo às instituições e à Constituição, que encarnam a vontade do povo. E as Forças Armadas são a parte armada e fardada desse povo. Os generais foram em seu socorro. E a coisa acabou tendo a sua graça involuntária. Eles são lidos; Bolsonaro não.

Augusto Heleno tentou:
"Suas palavras foram ditas de improviso, para uma tropa qualificada (…) Tentaram distorcer isso, como se isso [a democracia] fosse um presente dos militares aos civis. Não é nada disso. As Forças Armadas são, por determinação constitucional, legal, os detentores do emprego legal da violência. Pode chocar alguns, mas isso é o que está escrito".

Com a devida vênia, general Heleno, o senhor deve saber que isso está escrito, sim, mas não na Constituição e sim no texto "A Política como Vocação", de Max Weber, na definição que deu de "Estado moderno". E a definição parece boa porque, por óbvio, ela nega a essência do pensamento de Bolsonaro, como o senhor bem sabe. E com uma correção, meu caro general, que faz toda a diferença: Weber fala no uso "legítimo", e não "legal" da violência. Há uma diferença aí, não? As democracias legitimam o uso da violência. Até porque, como sabe o senhor, essa força pode ser legal — como é no caso da Venezuela, não? —, mas ilegítima. Eu não tenho nada contra a que general Heleno ensine um pouco de Weber a Bolsonaro.

Aí foi a vez de Rego Barros entrar na conversa. Afirmou:
"O controle civil objetivo, propugnado por Samuel Huntington, ele advoga que as Forças Armadas devem ser a fortaleza desse controle civil. E naturalmente as Forças Armadas brasileiras já o são por defenderem veementemente a democracia".

Sim, Huntington é o autor do polêmico "O Choque de Civilizações", em que, numa mirada muito rápida, antevê o grande confronto entre o Ocidente cristão e o mundo islâmico. À sua revelia, ainda embala paranoicos oportunistas. Mas não me perco nisso agora. Rego Barros está se referindo, de modo coberto, sem citar, ao livro "O Soldado e o Estado", que Huntington escreveu no fim dos anos 50, ainda muito jovem. Eu deslocaria o acento da fala do porta-voz. A essência do texto de Huntington, e suponho que o general o tenha lido, é a profissionalização dos militares. Nos termos do autor: "O controle civil objetivo atinge seu fim ao militarizar os militares, tornando-os o instrumento do Estado".

A propósito, general, o senhor lembra o que está escrito lá? Quem se arvora em líder civil e militar ao mesmo tempo acaba sendo ruim nas duas coisas. Mais: Huntington também fala do "controle civil subjetivo", que é aquele que ele condena. Nesse caso, diz, os militares formam um grupo de pressão na sociedade, a disputar influências com outros grupos, imiscuindo-se na política e na definição das prioridades nacionais. No "controle civil objetivo", os militares têm uma neutralidade política absoluta.

Eu também não me oponho a que Rego Barros ensine Huntington — este sobre os militares, não aquele sobre o choque de civilização — a Bolsonaro. Quem conhece os dois textos citados percebeu que, ao tentar endossar o presidente com apelo à teoria, os dois generais acabaram por desmoralizá-lo. Entre outras razões, porque ele é imune a livros.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.