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Reinaldo Azevedo

Venezuela: vídeo indica que a turma de Guaidó incendiou ajuda humanitária

Reinaldo Azevedo

10/03/2019 18h49

Imagem do vídeo publicado com exclusividade pelo NYT. Veja a hora exata do início do incêndio

Quem mesmo botou fogo na tal "ajuda humanitária" que seria entregue à Venezuela, o que marcaria, simbolicamente, a deposição de Nicolás Maduro? Bem, até havia pouco, eu, você e o mundo achávamos que os responsáveis eram os partidários do ditador. Um vídeo publicado com exclusividade pelo New York Times parece evidenciar o contrário. Está aqui. Já volto a ele. Antes, algumas considerações.

Creio serem poucos os leitores que discordem deste escriba: Maduro é um ditador truculento, e a única saída para a Venezuela é a realização de eleições limpas.

Mas eu e os leitores não somos militantes políticos e temos apreço pelos fatos.

No que me diz respeito, evito a perspectiva ingênua que cria santos e demônios. Os arquivos estão por aí para provar o que eu afirmava quando Barack Obama e David Cameron se comportavam como "libertadores da Líbia", por exemplo. Mais de uma vez, chamei a atenção para a truculência da turma que partiu de Benghazi. Deu no que deu. Cumpre repudiar ditadores — e Khadafi era repulsivo —, mas é preciso saber também quem são os inimigos.

Vejam lá: o tirano foi encontrado num buraco, sofreu torturas bárbaras e foi morto aos olhos das redes sociais, num julgamento que demonstrava bem em que se transformaria a Líbia. Depois houve o linchamento estupefaciente de Christopher Stevens, embaixador americano no país, ocorrido no dia 11 de setembro de 2012. Sim! Num 11 de setembro, no 11º ano do atentado às Torres Gêmeas. Obama e Cameron ajudaram a entregar a Líbia a jihadistas.

O país é hoje uma ditadura, que se apoia em grupos armados de perfil terrorista, e se tornou um celeiro do jihadismo. Foram poucos no mundo os que não caíram do conto vigarista da "Primavera Árabe", que encantou a imprensa ocidental. Eu não caí. Essa gente se esqueceu de que só existe democracia quando existem… valores democráticos. Mas deixo a Líbia pra lá agora. Trata-se apenas do exemplo extremo a evidenciar que cumpre afastar a ingenuidade.

Não vejo futuro razoável para uma Venezuela com Maduro. Mas é preciso tomar cuidado para não endossar métodos que estão errados desde a origem. O vídeo revelado pelo NYT evidencia que, junto com "a ajuda humanitária", havia um escancarado incentivo à violência. Basta ver a chuva de coquetéis molotov que partiam do lado colombiano da fronteira.

Não dá para ser categórico, claro!, porque a câmera não está tão próxima, mas parece que sobram poucas dúvidas de que o incêndio ao caminhão com a "ajuda humanitária" foi obra de partidários de Juan Guaidó, ainda que possa não ter sido intencional. Aconteceu porque o apelo à violência estava dado, e, quando se faz essa escolha, tudo é possível. E tudo é permitido. O fato é que o mundo, e nós também, noticiou que as forças de Maduro é que haviam incendiado o caminhão.

As evidências que vêm a público não mudam a natureza do ditador: continua a ser um ditador asqueroso. Mas pode esclarecer um tanto mais sobre a natureza dos que querem derrubá-lo. E aí? Decreta-se um empate de imoralidades e pronto?

Não! Acho que o Brasil tem de continuar a fazer pressão nos organismos multilaterais em favor de eleições livres na Venezuela. Mas não tem de se meter no conflito nem pode se comprometer com o eventual governo de transição, conferindo-lhe carta branca, como Jair Bolsonaro fez, de forma irresponsável, sob o estímulo de Ernesto Araújo, o olavete doidivanas que brinca de chanceler no Itamaraty.

Jogos de guerra não são matéria própria para crianças com sinais óbvios de retardo no desenvolvimento intelectual, ainda que barbudas. Idiotas clínicos também podem ter barba, como se sabe.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.