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Reinaldo Azevedo

A vida e as opiniões de uma candidata da página “República de Curitiba”

Reinaldo Azevedo

11/03/2019 15h32


Reportagem publicada pela Folha Online nesta segunda é um verdadeiro roteiro de comédia — seria, assim, do subgênero comédia cínica. O repórter Daniel Carvalho, nota-se, não apelou a nenhum outro recurso que não a mais crua objetividade. E produziu um emblema do nosso tempo. A personagem de destaque é outra funcionária do agora Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Sim, isso já não surpreende, né? Ao caso.

Elisangela Machado dos Santos de Freitas, jornalista, queria ser deputada federal pelo DF. Ela é filiada ao PRP. É uma dessas severas vigilantes na luta contra a corrupção e o comunismo. Para demonstrar a seriedade de sua luta, ela administra uma página chamada "República de Curitiba". Isso quer dizer que é do tipo que sai por aí cantando as glórias de Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e Gabriela Hardt. Vocês verão que faz sentido… Acompanhem.

1: Ela se candidatou a uma vaga na Câmara e recebeu R$ 25 mil do Fundo Eleitoral.
2: Desse total, R$ 14,9 mil (59% do total) foram gastos com o próprio marido.
3: O leitor pergunta: "Ele é marqueteiro, especialista em eleição, em comunicação?" Não!
4: O marido de Elisangela, Ronaldo Robson de Freitas, é engenheiro mecânico e trabalha como analista na estatal Embrapa.
5: O leitor continua curioso: "Então ele deve ter produzido para ela algum estudo sobre produção agropecuária…."
6: Não! Ele recebeu R$ 10 mil para "serviços de coordenação de campanha eleitoral", R$ 4 mil para "locação de equipamento para gravação de vídeo" e outros R$ 900 para "serviço de divulgação de campanha".
7: No período da campanha eleitoral, informa a Embrapa, ele tirou duas licenças médicas: entre 13 e 17 de agosto e entre 3 e 5 de outubro.

Para que a narrativa ganhe o necessário colorido, é preciso que você saiba:
8: Ronaldo tem mestrado em "Ética e gestão".
9: Elisangela é uma das inconformadas com o trabalho da ONU. Em agosto, ela fez um protesto em frente à representação da entidade em Brasília: "Temos que tomar uma atitude e temos que demitir a ONU do governo brasileiro. Chega desta influência nefasta que ela tem tido sobre nosso governo, sobre o nosso país há mais de 30 anos, patrocinando os governos socialistas desde Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer".

Com ela, não tem esse papo de socialismo, não.

10: Indagado sobre o caso, Ronaldo, o marido, parece ter ficado agastado: "[os gastos] estão todos discriminados e apresentados à Justiça eleitoral bem detalhadamente. Você pode pegar os documentos e montar uma matéria e colocar onde você entender que seja melhor veiculado".
11: Ela não se elegeu. Obteve 11.638 votos.
12: A Procuradoria Regional Eleitoral no Distrito Federal pede a desaprovação das suas contas, até porque ela transferiu parte dos recursos, segundo a declaração, para um candidato a deputado estadual de Goiás, outra unidade da Federação.
13: Com esse currículo, depois da derrota, ela foi contratada pelo gabinete de Flávio Bolsonaro.

Esse último item, convenham, faz sentido, não é mesmo?

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.