Incra faz o certo e torna sem efeito memorando que impedia diálogo com MST
A cada dia, a minha máxima cravada numa coluna da Folha vai se tornando verdadeira. O governo Bolsonaro erra quando avança e acerta quando recua. Informa a Folha:
Em ofício enviado nesta terça-feira (12) ao Ministério Público Federal, o ouvidor do Incra, um coronel da reserva do Exército, disse que tornou sem efeito seu próprio memorando circular distribuído em fevereiro a todos os chefes do órgão no país para proibi-los de receber entidades que não possuíssem personalidade jurídica. Na prática, a orientação do ouvidor, João Miguel Maia de Sousa, representava o rompimento do diálogo com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que não possui CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica).
Informa ainda o jornal:
O memorando do ouvidor do Incra, revelado pela Folha, gerou uma reação da PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão), vinculada à PGR (Procuradoria Geral da República). Em ofício dirigido ao Incra pela subprocuradora-geral da República Deborah Duprat e pelos procuradores do Grupo de Trabalho Reforma Agrária, a PFDC recomendou ao Incra que cancelasse as orientações pois "adotam posição de acirramento de tensões sociais e conflitos no campo, em contrariedade ao papel mediador e de busca de pacificação, prevenção e resolução de tais antagonismos conferido à Ouvidoria Nacional Agrária pelo ordenamento jurídico".
A PFDC afirmou ainda que o memorando continha "ilegalidades e inconstitucionalidades" ao sugerir que determinados cidadãos não fossem mais atendidos por um órgão público.
Comento
Se vocês me perguntarem se acho que o MST deveria ter personalidade jurídica, a minha resposta será "sim". Não! Eu não considero que movimentos sociais tenham de ser necessariamente regulados por cartórios. Eles têm, nas democracias, uma essência antiestatal e antiestablishment. Ocorre que o movimento é visceralmente ligado a cooperativas que recebem verbas públicas. No passado, usou e abusou da sua não-existência jurídica para praticar abusos e cometer crimes.
Mas isso significa que o governo não deve falar com a turma? A minha resposta é "Não!" Ou seja: é para falar com o MST. Até porque a conversa não quer dizer que se vá ceder ao que eventualmente for impróprio ou que se vá condescender com métodos que podem ser condenáveis.
Acontece que um dos trabalhos do governo, e isto o bolsonarismo ainda não entendeu, é justamente pacificar os conflitos, evitar o choque, tentar conciliar contrários. Podem apostar que a sociedade se encarrega de fazer suas divisões inconciliáveis.
Se o MST vai ser recebido e ouvido, bem, não dá para responder. A revogação pode ter tido apenas o objetivo de evitar conflito com o Ministério Público. Parece-me que deveria. Bolsonaro é presidente de todos os brasileiros. De resto, cumpre indagar: não falar com o MST traz mais benefícios ou traz mais prejuízos? Resposta: prejuízos.
Então que se converse. Ceder ou não ceder é outra coisa.