STAND-UP DE GUEDES: Fala da China e desmoraliza Bolsonaro, Olavo e Ernesto
Você quer uma boa notícia? Se depender do ministro da Economia, Paulo Guedes, o Brasil não vai fazer nada de estúpido nas relações comerciais com a China. Foi o que ele deixou claro, e com correção, a investidores e empresários que ouviram o seu discurso na noite desta segunda na US Chamber of Commerce, a Câmara de Comércio Americana. Para quem entende como são as coisas, o ministro estava tentando compensar o desastre do jantar de domingo à noite na embaixada do Brasil em Washington, quando a China foi demonizada como maior parceria comercial do Brasil — na verdade, é o país que mais compra nossos produtos. É que estavam lá, ladeando o presidente Jair Bolsoanro, Steve Bannon, um delinquente intelectual de alcance internacional — criador do que pretende ser uma organização internacional de extrema-direita, o tal "Movimento" — e Olavo de Carvalho, que vê nos chineses a encarnação do demônio. Infelizmente, ambos têm muita influência no bolsonarismo. E ouviu-se, então, uma borrasca de despropósitos. Nem Guedes conseguiu conter as tolices.
Nesta segunda, a estrela foi o ministro. E ele ajustou as coisas e botou pra quebrar, em ritmo acelerado, às vezes de "stand up comedy", atuando um tanto acima do tom. Exaltou até os "colhões" do presidente Bolsonaro — empregou a palavra "balls", em inglês — para elogiar a sua coragem de cortar gastos e de fazer reformas. Eu cuidaria melhor do vocabulário se integrante de um governo cujo titular ficou famoso por espalhar um vídeo, como direi?, impróprio. "No tocante" à China, como diria Bolsonaro, Guedes acertou. Mas também cometeu erros de amador.
Sua fala poderia ser assim sintetizada: "Se vocês, americanos, nos querem menos ligados comercialmente à China, então ponham fim a suas barreiras comerciais e invistam no Brasil. Ou, então, parem de nos patrulhar". Está certo nesse particular. Adepto da ironia e de provocações, Guedes se referiu ao discurso de sujeição do Brasil aos EUA, que marca a fala do chanceler Ernesto Araújo. Afirmou: "Como disse o ministro Ernesto Araújo, nós somos um país do Ocidente, somos uma democracia e sabemos quem nos inspira. Mas os EUA vêm fazendo comércio com a China há décadas; por que nós não podemos fazer?" Foi além: "Sabe quem tem mais investimento direto aqui nos Estados Unidos? Os chineses. Então por que nós não podemos fazer comércio com a China e deixar que eles invistam no Brasil em ferrovias para transportar nossa soja?"
OS NÚMEROS
Guedes relatou encontro que manteve com Robert Lighthizer, representante de Comércio dos EUA, e afirmou o seguinte: "Lighthizer acha que a gente é a China, e eu expliquei: 'Não, o Brasil tem déficit comercial com os EUA". Esclareço a referência do ministro. Os americanos tiveram um déficit comercial com os chineses de US$ 323 bilhões no ano passado. Quando, pois, tentam impor barreiras à expansão chinesa, pensam no próprio caixa. Com o Brasil, no entanto, a vantagem está com os americanos: amargamos oito anos déficit, entre 2009 e 2016. Um pequeno superávit veio só em 2017. Em 10 anos, a balança pende contra o Brasil em US$ 90 bilhões. E os americanos vêm torrar a nossa paciência justamente com a China, com o apoio da extrema-direita xucra que está no governo, com quem mantemos um superávit folgado?
Ora, não só os EUA esperam do Brasil uma espécie de parceria contra a China como veem o Brasil como concorrente, como Guedes deixou claro. E provocou: "Se os EUA querem vender carne de porco para nós, então comprem nossa carne (bovina). Querem vender etanol? Ok, comprem nosso açúcar. Querem vender trigo, então comprem nossas autopeças. O mais importante é que sejamos parceiros comerciais estratégicos para o futuro".
Eis aí: essa conversa tem racionalidade econômica, não aquela bobajada puramente ideológica que se ouviu no jantar de domingo, na embaixada brasileira em Washington. O ministro lembrou ainda que os EUA são o principal empecilho para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação de Desenvolvimento Econômico e Social. Vamos ver o que Bolsonaro consegue arrancar de Donald Trump na reunião desta terça. Não há razão para muito otimismo. Melhor não hostilizar os chineses.
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