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Reinaldo Azevedo

Em decisão impecável, desembargador liberta Temer e outros. Saiba por quê

Reinaldo Azevedo

25/03/2019 16h47

Trecho do HC concedido a Temer e outros, em que desembargador lembra que é preciso combater o crime seguindo as leis

O desembargador Antonio Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), concedeu nesta segunda habeas corpus ao ex-presidente Michel Temer, ao ex-ministro Moreira Franco e a João Baptista Lima Filho, conhecido por coronel Lima. A decisão beneficia ainda Othon Luiz Pinheiro da Silva, Maria Rita Fratezi, Carlos Alberto Costa, Carlos Alberto Costa Filho, Vanderlei de Natale, Ana Cristina da Silva Taniolo e Carlos Alberto Montenegro Gallo. Argumentação de Athié é detida, cuidadosa e detalhista, mas tem um pilar: falta aos crimes supostamente cometidos pelos acusados a chamada "contemporaneidade". Os atos que lhes são quase imputados — porque nem a imputação clara existe — teriam ocorrido em 2014 e 2016. E o Artigo 312 do Código de Processo Penal exige, para a prisão preventiva, que os crimes que a justificam sejam contemporâneos. Coincide precisamente com o que escrevi aqui e  aqui ainda no dia das prisões esdrúxulas. Leia a íntegra da decisão do desembargador.

Athié desmonta o despacho do juiz Marcelo Bretas sem deixar margem para contestação. Além de os crimes que supostamente teriam sido cometidos — porque isso não é admitido de maneira inequívoca pelo juiz — não terem a chamada contemporaneidade, o juiz tentou justificar a medida cautelar apelando à legislação internacional. E também o fez de maneira indevida. Bretas se ancorou, por exemplo, no Item 5 do Artigo 30 da "Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção". E chega a transcrever trechos, a saber:
"Cada Estado Parte terá em conta a gravidade dos delitos pertinentes ao considerar a eventualidade de conceder a liberdade antecipada ou a liberdade condicional a pessoas que tenham sido declaradas culpadas desses delitos."

O desembargador nota o óbvio: a convenção não se aplica a Temer e aos demais porque, como resta evidente, o texto se refere a pessoas que "TENHAM SIDO DECLARADAS CULPADAS" — vale dizer: que JÁ TENHAM SIDO CONDENADAS. Temer, por exemplo, nem mesmo foi denunciado nesse processo; nem réu é.

Mais: o texto deixa claro que, no caso citado, deve-se dificultar a liberdade do condenado; nada diz sobre antecipar a prisão de quem ainda nem é formalmente investigado.

INTERPRETAÇÃO CAOLHA
Escreve o desembargador:
"Despiciendo mais falar sobre a também caolha interpretação dada pela decisão de 1º grau na sequência dela, em relação a demais dispositivos de diplomas internacionais, eis que pressuposto para aplicação de regra citada às folhas 5193 é, também, a existência de condenação."

A QUE PONTO CHEGAMOS
É tal hoje o poder da Lava Jato para desmoralizar as pessoas — o que inclui os juízes que não se ajoelham a seu pés — que mesmo produzindo uma decisão tecnicamente impecável, à qual não cabe um só reparo, o desembargador Athié se sente compelido a dizer que nada tem contra a operação ou contra o juiz.

Escreve logo na página 2 de sua decisão:
"Inicialmente, tenho de reconhecer a absoluta lisura do prolator da decisão impugnada, notável Juiz, seguro, competente, corretíssimo, e refutar eventuais alegações que procurem tisnar seu irrepreensível proceder. Ressalto que não sou contra a chamada "Lava-jato", ao contrário, também quero ver nosso país livre da corrupção que o assola. Todavia, sem observância das garantias constitucionais, asseguradas a todos, inclusive aos que a renegam aos outros, com violação de regras não há legitimidade no combate a essa praga."

Ao voltar ao tema, na penúltima página da decisão, ele lembra, no entanto, um pressuposto importante. Lá está:
"Reafirmo, por fim, que sou a favor da operação chamada 'Lava-Jato'. Reafirmo também que as investigações, as decisões, enfim tudo que, não só a ela concerne mas a todas sem exceção, devem observar as garantias constitucionais, e as leis, sob pena de não serem legitimadas."

Se ser a favor da Lava Jato é ser favorável ao combate à corrupção, então todos, exceção feita aos bandidos, somos. A questão é saber se as leis serão ou não respeitadas. Até porque, até onde acompanho, os que se dizem defensores da operação só o são porque partem do pressuposto de que ela combate quem comete ilegalidades.

E, portanto, a ela não se dará a licença de cometê-las, certo?

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.