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Reinaldo Azevedo

Agredir direitos de ex-presidentes protege os pobres? E o sequestro de bens

Reinaldo Azevedo

26/03/2019 05h52

Não estou muito certo de que essa maluquice toda, um dia, tenha fim. Uma coisa eu sei: enquanto não se resgatar a plenitude do Estado de Direito, não vamos muito longe. Os idiotas acham que é assim mesmo que se deve proceder com ricos e poderosos porque assim sempre se fez com os pobres. É uma estupidez. A menos que os pobres já tenham tido acesso à plena Justiça, o que não consta, estamos vivendo, então, a socialização da truculência. O que sei é que isso nunca dá certo. E que quem defende a guilhotina acaba tendo a cabeça cortada.

No dia seguinte à decretação da prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer, corretamente revogada nesta segunda, o juiz Marcelo Bretas determinou o sequestro de bens do ex-presidente Temer até o valor de R$ 62.595.537,32. Isso não quer dizer que ele tenha esse montante. Temer só poderia movimentar um dinheiro que excedesse esse total. Todas as suas contas bancárias, imóveis, o escritório de advocacia e a empresa que administra seus imóveis, tudo, enfim, está bloqueado. Não custa lembrar: o dono da Engevix, José Antunes Sobrinho, disse à Polícia Federal, em delação premiada, ter repassado R$ 1 milhão ao coronel João Baptista Lima em contrato celebrado com Angra 3. Como o coronel, segundo o MPF, é operador de Temer, que seria o chefe da organização, então se chegou ao ex-presidente.

Não só a ele. Lembrem-se de que, segundo o MPF, a tal organização criminosa teria, de algum modo, movimentado R$ 1,8 bilhão. Mas, por alguma razão, seria justamente esse dinheiro supostamente vindo de Angra 3 que teria financiado a reforma no imóvel de uma das filhas de Temer, a psicóloga Maristela De Toledo Temer Lulia. Por essa razão, ela também teve seus bens e recursos bloqueados, o que inclui contas bancárias e seu consultório — no seu caso, no valor de R$ 3.208.000. Os sequestros atingem todos os investigados, em valores variados.

Venham cá: ainda que a reforma do tal imóvel tivesse realmente sido feita com dinheiro de propina, pergunta-se: como se sabe que foi grana decorrente desse caso investigado? Resposta: não se sabe. Não se tem, por óbvio, nem mesmo como evidenciar que a origem dos recursos seja ilícita, já que Temer dispunha de renda para pagar, se quisesse, a tal reforma. Mas aí estamos diante de uma outra máxima destes tempos: meta a família do investigado no meio. Isso sempre desorienta. Não custa lembrar que a reforma da casa da filha do ex-presidente já foi relacionada à suposta corrupção nos portos. Como aquela apuração não chegou a lugar nenhum, vão se alternando as motivações. Quem cair na malha experimenta o estado do terror jurídico. Se a punição não se der por uma razão, vai se se dar por outra. Se não por esta, por uma terceira.

E como Bretas, num caso que nasce da denúncia de suposto pagamento de propina de R$ 1 milhão, chega ao sequestro de mais de R$ 62 milhões? Ele explica:

"Quando se trata de prejuízo a toda coletividade, mostra-se pertinente a fixação de quantia referente ao dano moral. No caso, o chefe da suposta organização criminosa parece ser o ex-presidente da República MICHEL TEMER, sendo certo que isso, per si, já gera dano moral coletivo, uma vez que arruína a credibilidade do país como um todo".

Se é assim e já que "parece", ele fixa quanto lhe dá na telha e pronto! Desnecessário dizer que uma medida como essa traz como consequência a virtual impossibilidade de o acusado se defender porque acabam lhe faltando recursos. Não creio que os advogados do ex-presidente vão deixá-lo na mão. Mas seria uma consequência possível.

Medida dessa natureza não pode ser revertida por habeas corpus. A batalha é bem mais longa, e há histórias de bloqueio de bens, para usar a palavra genérica, que duram até o fim do processo. Não custa lembrar: o ex-presidente não foi nem ainda denunciando e já ficou na cadeia e hoje não teria dinheiro para comprar um Chicabon. Muita gente acha que é assim que se faz com os ricos e poderosos porque assim sempre se fez com pobres.

Procurem o que escrevi, diria, ao longo da vida. Eu não acho que se deva proceder desse modo com ninguém.

Só um asno moral ou um pilantra usará a agressão a direitos fundamentais contra ricos e/ou poderosos como compensação pelas humilhações sofridas todos os dias pelos humildes. Na verdade, quando nem a dita "elite" está a salvo da sanha ilegalidade, é porque pobre continua a morrer como mosca. Ou não continua?

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.