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Reinaldo Azevedo

CATARSE 2: Empresariado de SP aplaudiu o que queria ouvir. Volta a Brasília

Reinaldo Azevedo

27/03/2019 05h16

Hamilton Mourão, o vice-presidente, fala em São Paulo o que o empresariado quer ouvir. Está certo em muita coisa, mas, em Brasília, as coisas se dão de outro modo

Em sua fala na Fiesp, Hamilton Mourão permitiu que o empresariado de São Paulo, perplexo e sufocado com o que vê em Brasília, desse um suspiro aliviado, embora — e não quero ser desmancha-prazeres — vá durar pouco porque o que disse o vice não tem consequência prática. Em seu discurso, Mourão criticou, por exemplo, a correção do salário mínimo acima da inflação e o Benefício de Prestação Continuada, que chamou de "vacas sagradas" — mitos que precisam ser revistos. Também criticou o excesso de direitos sem deveres; pregou a revisão do pacto social da Constituição de 1988; defendeu que um governo tem de ter a coragem de tomar medidas impopulares; criticou o excesso de amarras orçamentárias; repetiu a metáfora do economista liberal Milton Friedman — "não existe almoço grátis"… E foi aplaudido de pé. Note o leitor: eu posso até concordar com boa parte do que disse Mourão. Mas cabe uma pergunta: foi esse discurso que ganhou a eleição? Eu ousaria dizer que não. E aqui residem as dificuldades. Vamos voltar a Brasília?

Em Brasília, 13 partidos haviam assinado, enquanto o general falava, um documento afirmando que ninguém toca na aposentadoria rural e no Benefício de Prestação Continuada. Paulo Guedes, ministro da economia, deixava os membros da Comissão de Constituição e Justiça falando sozinhos. Sem o ministro, a CCJ, que nem relator tem — tampouco o tem a emenda — se negou a ouvir o secretário da Previdência. Jair Bolsonaro, o presidente da República, tinha preferido ir ao cinema assistir a um filme que trata de um milagre da fé, e a Câmara aprovava uma Proposta de Emenda Constitucional que institui o Orçamento Impositivo, que deixa o governo de mãos ainda mais atadas.

O general Mourão compõe a ala mais lúcida do governo, embora não tenha cargo nenhum. Mas também ele alimentou uma ilusão que, como a gente nota, embala parte da elite empresarial brasileira: a de que política não existe. Ou, então, a de que tudo decorre apenas da vontade. Como evento catártico, ok. O empresariado aplaudiu o que queria ouvir: "É isso mesmo, vice!". Ok. De volta à vida real nesta quarta, senhores!

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.