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Reinaldo Azevedo

Não importa quem pagou vídeo: outro crime de responsabilidade de Bolsonaro

Reinaldo Azevedo

03/04/2019 07h59

Manifestantes protestam na Cinelândia contra ordem dada por Bolsonaro para comemorar o golpe (Foto: Daniel Ramalho/AFP)

O empresário Osmar Stábile resolveu dar as caras. Afirmou ser o financiador do vídeo que celebra o golpe de 1964. Que seja! O que interessa ao debate é outra coisa: o troço foi distribuído pelo canal oficial da Presidência. Leiam o que informa a Folha. Volto em seguida:

O empresário Osmar Stábile, ex-vice-presidente do Corinthians, assumiu nesta terça (2) a autoria do vídeo divulgado pelo Palácio do Planalto que celebra o golpe de 1964. A produção foi repassada por meio de canal oficial da Presidência no domingo (31), aniversário de 55 anos do golpe que levou o Brasil a 21 anos de ditadura militar. Dizendo ser eleitor de Bolsonaro, Stábile afirmou por meio da nota que criou a publicidade porque é "patriota e entusiasta do contragolpe preventivo".

Ele não explica por que o vídeo foi distribuído pelo Planalto sem que fosse revelada a sua autoria, apenas informa que bancou os custos do material. "Fi-lo (o vídeo) de moto próprio e às minhas expensas."

"Não tenho e nem tive a intenção de mexer com os brios, dores e sentimentos daqueles que se dizem perseguidos pelas Forças do Estado naquele importante período da nossa história", afirmou Stábile em seu texto.

"Mas acredito plenamente nos esforços de nossas Forças Armadas que evitaram males políticos maiores para a nação. E esse lado da história precisa ser conhecido pelas novas gerações."

O empresário ainda diz que não pretende fazer revisionismo histórico, apenas teve "a intenção de mostrar a outra face da moeda".

"O povo brasileiro pode e deve conhecer outros argumentos, que não aqueles repetidos compulsoriamente, sem respeito aos fatos como eles, de fato, ocorreram.
(…)

Comento
A tentação de perguntar ao tal Stábile que outros eventos históricos ele gostaria de revisar é grande. Mas ele e suas ideias não têm a menor importância. Os malucos que defendem que a Terra é plana, contra todas as evidências do GPS que têm instalado no carro, adoram vir com essa conversa de "conhecer outros argumentos"… Há gente disposta a apresentar "outros argumentos" até para a soma do quadrado dos catetos ser igual ao quadrado da hipotenusa.

O que interessa é que se cometeu mais um crime de responsabilidade.

O artigo 7º da Lei 1.079 aponta como "crimes de responsabilidade contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais" as seguintes práticas: "7 – incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina" e "8 – provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis".

É o que faz o vídeo. Sem contar que cabe uma acusação também por improbidade por usar um canal público de comunicação para essa finalidade.

Segundo Hamilton Mourão, vice-presidente, a ordem para a agressão à legalidade foi dada por Bolsonaro. Depois, o vice recuou e disse que o presidente não sabia de nada. Bem, no caso da improbidade, encaixa-se também o chefe que mandou divulgar a coisa.

Na sexta, escrevi na Folha a respeito das agressões à ordem legal cometidas pelo presidente. Segue o artigo na íntegra.

*

Bolsonaro já cometeu crimes de responsabilidade; agora, falará a política

Sim, o presidente Jair Bolsonaro já cometeu crimes, no plural, de responsabilidade. Vai cair? Depende dele.

Bolsonaro encerra o seu terceiro mês de mandato, e a pergunta mais frequente que me fazem —e isto nunca aconteceu em tempo tão curto— é a seguinte: "Você acha que ele vai até o fim?" Dado que o presidente e seus valentes escolheram a imprensa como inimiga, as pessoas imaginam que temos a resposta porque esconderíamos uma arma letal contra o "Mito". As coisas mais perigosas que guardo contra Bolsonaro são a Constituição e a lei 1.079.

Há um desânimo evidente em setores da elite que apostaram literalmente num milagre, que é o acontecimento sem causa. Por que diabos, afinal de contas, ele faria um bom governo ou encaminharia soluções institucionais? Em que momento de sua trajetória política ele se mostrou reverente à lei e à ordem? Nem quando era militar, ora bolas! Vejam lá: o fiscal que o multou porque pescava em área ilegal foi exonerado do cargo de confiança que ocupava no Ibama. Ainda volto a ele.

Para responder se Bolsonaro conclui ou não o seu mandato, terei de voltar a Dilma Rousseff. Sim, ela pedalou, cometeu crime de responsabilidade, segundo os termos da lei 1.079. Sempre cabe a pergunta: "Mas ela pedalou muito?" Não, gente! Seu governo destruiu as contas públicas em razão de obtusidades várias, que não vêm ao caso agora, mas a pedalada propriamente foi coisa pouca, nada que a sociedade brasileira não pudesse ignorar se a economia estivesse em crescimento, os juros e a inflação em níveis civilizados, as contas públicas em ordem —hipótese, então, em que a presidente não teria passeado imprudentemente de bicicleta…

O impeachment por crime de responsabilidade tem como condição necessária uma agressão à ordem legal —uma motivação, pois, de feição jurídica—, mas só se realiza se estiver dada a condição suficiente, que é a política. Não por acaso, seu primeiro passo é a admissão da denúncia, em decisão monocrática, pelo presidente da Câmara. E toda a tramitação segue sendo de natureza… política! Os senadores, que atuam excepcionalmente como juízes, também são políticos.

Um presidente não é apeado por crime de responsabilidade, no Brasil, se contar com pelo menos um terço dos deputados ou dos senadores. Nota: a reforma da Previdência era seu grande ativo, e ele está se encarregando de implodi-la.

É claro que Bolsonaro brinca com fogo. Cometeu crime de responsabilidade, diz a lei, quando agrediu o decoro e propagou um filminho pornô. Vá lá. A coisa ganhou um tom até meio apalhaçado como consequência da estupefação geral. Mas ele se mostra insaciável nos seus três meses. A ordem para "comemorar" o golpe militar de 1964 —e o verbo foi empregado pelo porta-voz— e sua visita à CIA, onde, confessadamente, tratou da crise na Venezuela, agridem, respectivamente, os valores contidos nos Artigos 1º e 4º da Constituição.

A mesma lei 1.079 que depôs Dilma Rousseff considera, no item 3 do artigo 5º, ser "crime de responsabilidade contra a existência da União cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade". O artigo 7º aponta como "crimes de responsabilidade contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais" as seguintes práticas: "7 – incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina" e "8 – provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis". O mesmo artigo, no item 5, dispõe a respeito da destituição do fiscal do Ibama, ato do ministro Ricardo Salles: é crime de responsabilidade "servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua".

"Não exagere, Reinaldo!" Bem, digam isso a Bolsonaro. Os crimes estão cometidos, e não seria difícil prová-los. Ou alguém manda comemorar golpe de Estado para enviar um recado aos próceres de 1964? Obviamente, a agressão se dá à ordem constitucional de 2019.

"Então ele vai cair?" Depende dele. Se continuar a fazer bobagem e se perder as condições políticas de governar, hoje precárias, cai, sim! Os crimes de responsabilidade já foram cometidos. Por si, não derrubam ninguém. Associados à crise política aguda, tem-se a combinação letal.

As pedaladas institucionais de Bolsonaro já são maiores do que as pedaladas fiscais de Dilma. O que ele fizer na política, agora, vai determinar o resto.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.