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Reinaldo Azevedo

Livros pró-golpe de Vélez seriam improbidade administrativa. E estupidez

Reinaldo Azevedo

04/04/2019 07h01

A delinquência intelectual dessa gente é insaciável. E, se vocês notarem, os valentes não param. Não passa dia sem uma estupidez. O pior é as bobagens nem mesmo têm um eixo porque a miríade de extremistas de direita também não se entendem. Cada grupo reivindica a sua própria cota de estupidez. Vejam o que vai na Folha. Volto em seguida.
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O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, afirmou que serão feitas mudanças no conteúdo dos livros didáticos do país no que diz respeito ao golpe militar de 1964 e a ditadura que se seguiu durante 21 anos. Para o ministro, não houve golpe, e o regime militar não foi uma ditadura. As declarações foram dadas em entrevista ao jornal Valor Econômico. "Haverá mudanças progressivas [no conteúdo dos livros didáticos] na medida em que seja resgatada uma versão da história mais ampla", afirmou Vélez. "O papel do MEC é garantir a regular distribuição do livro didático e preparar o livro didático de forma tal que as crianças possam ter a ideia verídica, real, do que foi a sua história."

Segundo o ministro, o golpe em 31 de março de 1964 foi "uma decisão soberana da sociedade brasileira" e a ditadura um "regime democrático de força". O presidente Jair Bolsonaro (PSL) e um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL), já tinham manifestado intenção semelhante, propondo uma revisão histórica do período em livros didáticos.  "Um povo sem memória é um povo sem cultura, fraco. Se continuarmos no nosso marasmo os livros escolares seguirão botando assassinos como heróis e militares como facínoras", escreveu Eduardo em rede social, em janeiro. ​​
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Comento
O MEC é uma bagunça. Os brasileiros já pagam o pato. O Fies, que é o sistema de financiamento do ensino universitário, está paralisado. Vélez Rodriguez, esta figura patética, que só falta equilibrar uma bola no nariz e bater palminha para ver se garante o cargo — ou já não falta? —, não sabe o que diz. Levou um esculacho da jovem deputada Tábata Amaral (PDT-SP) em audiência na Câmara, mas não dá para saber se ele tem condições intelectuais de entender o que se disse lá.

Indicado por Olavo de Carvalho, caiu em desgraça no grupo liderado pelo sedizente filósofo. Agora, agarra-se ao coturno dos militares para ver se consegue se manter no cargo.

Essa história da revisão dos livros didáticos está entre os seus anúncios mais estúpidos. Notem que, em nome da isenção, ele decidiu que o Brasil terá uma história oficial, definida pelo governo de turno. Como Bolsonaro acha que não houve golpe, então se imprimirão livros para distribuir aos estudantes negando o golpe… Se for sucedido por alguém que ache o contrário, far-se-á o contrário. E assim passaremos um pedaço da eternidade a negar ou a asseverar a existência de um golpe, com os olhos voltados para o passado.

A gente tem o direito de desconfiar da sanidade mental de quem diz isto:
"O papel do MEC é garantir a regular distribuição do livro didático e preparar o livro didático de forma tal que as crianças possam ter a ideia verídica, real, do que foi a sua história".

E, por certo, quem vai decidir o que é "a ideia verídica, real" será Vélez, com o auxílio, claro!, daquela plêiade de frequentadores da Academia de Platão que o cerca.

Eu estou até torcendo para que o ministro determine mesmo a compra dirigida de livros, especialmente preparados com a finalidade de negar o golpe. Porque se pode meter na testa dele uma acusação de improbidade administrativa. A gente começa a tratar do patriota a partir do Inciso XI do Artigo 10 da Lei:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular
;

Há ainda o Inciso I do Artigo 11:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência
;

Cumpre lembrar as penas previstas em lei:
II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Mas acho que não haverá tempo. Espero que caia antes por insuficiência intelectual — até para os padrões "disso daí": o governo Bolsonaro.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.