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Reinaldo Azevedo

O ARTIGO DE LULA 1: Ele erra ao ignorar que alvo não é o PT, mas a política

Reinaldo Azevedo

07/04/2019 17h20

Faz um ano neste domingo que Lula está preso. O ex-presidente publica um artigo na Folha deste domingo. É um texto que serve à militância política. Afinal, é um líder político que está preso, e é natural que assim seja.

O autor tangencia as questões de direito, que são as que me interessam desde sempre, insistindo, no entanto, numa espécie de conspiração que resultou na sua prisão, da qual faria parte o impeachment de Dilma. Escreve, por exemplo:
"O golpe do impeachment sem crime de responsabilidade foi contra o modelo de desenvolvimento com inclusão social que o país vinha construindo desde 2003. Em 12 anos, criamos 20 milhões de empregos, tiramos 32 milhões de pessoas da miséria, multiplicamos o PIB por cinco. Abrimos a universidade para milhões de excluídos. Vencemos a fome.
Aquele modelo era e é intolerável para uma camada privilegiada e preconceituosa da sociedade. Feriu poderosos interesses econômicos fora do país. Enquanto o pré-sal despertou a cobiça das petrolíferas estrangeiras, empresas brasileiras passaram a disputar mercados com exportadores tradicionais de outros países
."

O PT pode se orgulhar de algumas que promoveu quando no governo, especialmente no campo na inclusão social, mas o crime de responsabilidade aconteceu — nada que clamasse aos céus, é verdade. Atenção, Lula! Bolsonaro já cometeu uma penca deles. Basta ler a Lei 1.079. Se também vai cair, isso será decidido por outros fatores: crescimento, inflação, juros, desemprego, contas públicas… O que derrubou Dilma foi o colapso espetacular da gestão associado a um crime de responsabilidade que passaria despercebido no salão não fosse o conjunto da obra.

Lula tem de se lembrar de 2005 e contatar que ninguém derruba um presidente numa economia que cresce, gera empregos, aumenta a renda e atrai investimentos. Ao contrário: mesmo com eventual crime de responsabilidade, presidentes assim podem ser reeleitos.

Qual é o problema dessa abordagem? Ou o PT não entendeu direito o que aconteceu e o que está em curso ou faz questão de não entender por questões de estratégia política. Sou um sujeito aborrecidamente racional nessas coisas. Deixo as emoções para as artes e para a vida privada. Pergunto-me, sem encontrar resposta, que diabo de estratégia seria essa, que consiste em negar o óbvio, Que serventia pode ter, além de nenhuma?

O artigo de Lula e a pregação petista como um todo ignoram que o objetivo do ente de razão que aí está, chamado Lava Jato — de que o governo Bolsonaro é apenas um episódio — não é pegar o PT, destruir o PT, eliminar o PT… Seu alvo é bem mais amplo: inclui a política como um todo. Não por acaso, também o ex-presidente Michel Temer foi parar na cadeia — ainda que em outra fase do processo —, por métodos ainda mais heterodoxos do que os que resultaram na prisão de Lula. E o agora deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG) só não está na cadeia porque há óbices que passam pelo Parlamento, que a Lava Jato tentou, sem conseguir, atropelar.

Observem os leitores que não entro, não neste post e nos próximos, no mérito das acusações. Não sou polícia nem juiz de consciências. Não vou aqui determinar se as pessoas são culpadas ou inocentes. A mim me interessa, desde sempre, saber se foram cumpridos os rigores do devido processo legal e se a persecução penal se dá dentro ou fora das regras do Estado de Direito. E, como resta evidente para quem se atém ao que está escrito, ao ordenamento legal, estamos vivendo sob a égide de práticas de exceção num estado democrático. A Lava Jato, sob o silêncio cúmplice de muitas lideranças políticas e da quase totalidade da imprensa, aparelhou Ministério Público, Poder Judiciário e, com a ida de Sérgio Moro para o Ministério da Justiça, também o Poder Executivo.
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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.