MORO NO BIAL 1: Desconstruindo seu direito torto e rugas de sua gramática
Sérgio Moro e a língua portuguesa não são parceiros amistosos. A culpa, no caso, não é dela, claro!, mas dele. A Inculta & Bela está nos livros, na gramática, nas bibliotecas. Parece, no entanto, que ele é um leitor muito menos fecundo e dedicado do que dá a entender a sua pose. E obrigo-me a dizer: o herói sem máculas não trata o direito melhor do que trata a "Última Flor do Lácio".
No começo da madrugada desta quarta, foi ao ar a entrevista que Moro concedeu a Pedro Bial, na Globo. Num dado momento, e não pareceu combinado, o ex-juiz fez questão de falar a palavra "cônjuge". O entrevistador, então, fez uma brincadeira com o vídeo que se tornou um viral em que o ministro, durante audiência na Câmara, fala e repte a palavra "conge" — ou "cônji", sabe-se lá. Não foi o único erro daquela fala, não. Ele também deu o exemplo de uma pessoa que cometesse um assassinato "SOBRE violenta emoção".
A verdade é que o doutor espanca a nossa língua sem piedade.
Na entrevista, referindo-se a Rodrigo Maia, disparou: "No fundo, essas RUGAS pontuais, em política, podem acontecer"… Sim, o ministro queria dizer "RUSGAS".
O nome disso? Falta de leitura, de cultivo intelectual, de formação. Bial certamente percebeu, mas deixou passar.
Não foi só isso.
Moro disparou pelos menos três vezes "haviam" no sentido de "existiam", verbo que as pessoas que fizeram um ensino médio eficiente sabem ser impessoal. "Haver", nesse caso, não tem sujeito. O seu complemento é um objeto direto. Por isso não dizemos "Hão pessoas", mas "há pessoas"; logo, jamais "haviam pessoas", mas "havia". Espero ter sido claro. O ministro não tem o direito de repetir a bobagem.
ERROS DE DIREITO
Seus erros de direito, no entanto, não foram menores.
Confrontado com a absurda — isso digo eu — condução coercitiva de Lula, que nem intimado a depor havia sido, deu uma desculpa esfarrapada, afirmando que HAVIA (atenção, ministro!) informações de que a busca e apreensão em suas propriedades poderiam gerar alguma resistência. Em vez de direito, estamos no universo da fofoca. Moro, assim, faz o quê? Atribui à vítima do ato abusivo a responsabilidade pelo abuso. Típico.
Deixou claro ainda que julga não ter feito nada de errado ao divulgar uma conversa entre Lula e a então presidente Dilma que era:
a: fruto de interceptação ilegal porque gravada já fora do prazo autorizado;
b: ilegal; por envolver a presidente da República, a conversa só poderia ter sido tornada pública com autorização do Supremo.
Ele foi severamente advertido por Teori Zavascki por isso. E a gravação foi excluída dos autos.
O valente, no entanto, com o mesmo desassombro com que atropela a gramática, deixou claro que pode atropelar a lei. Julga não ter feito nada de errado.
PACOTE ANTICRIME E ARTIGO 283 DO CPP
Ao tratar do seu pacote contra o crime, disse considerar essencial a alteração no Artigo 283 do Código de Processo Penal. Ai, ai… Moro não conhece muito a nossa língua, mas sabe o suficiente para engabelar eventuais incautos. Vamos lá. O que diz hoje o tal Artigo? Isto:
"Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva."
Fica evidente aí que não se pode prender antes do "trânsito em julgado", certo? Vale dizer: antes de esgotados todos os recursos — a menos que sejam prisão preventiva, temporária ou em flagrante.
Acompanhem. Se Moro quer mudar a lei, então ele admite que esta proíbe que se prenda antes do trânsito em julgado, certo? Se proíbe, como ele justifica, por exemplo, a prisão de Lula, entre outros? Ora, a resposta tem de ser uma só: É UMA PRISÃO QUE ESTÁ FORA DA LEI. E SÓ POR ISSO O MINISTRO QUER MUDÁ-LA.
No seu texto, o Artigo 283 ficaria assim:
"Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado ou EXARADA POR ÓRGÃO COLEGIADO."
Isso justificaria a prisão de Lula se estivesse na legislação, MAS NÃO ESTÁ.
Ocorre que há um probleminha aí. Está no Inciso LXII do Artigo 5º da Constituição:
"Ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
O Artigo 60 da Constituição deixa claro que todo o Artigo 5º é cláusula pétrea e não pode ser mudado nem por emenda constitucional. Afinal, como os doutores hão (ESTE "HÃO" ESTÁ CORRETO, MORO!) de explicar que se vai prender quem a Constituição diz ainda não ser "culpado"?
Que se danem a lei e a Constituição, certo? O negócio é criar no país a "Legislação Lula", o "Direito Lula" e "Calendário Lula". Eles permitiram, afinal, que Jair Bolsonaro se tornasse presidente e que Moro se tornasse ministro da Justiça.
O doutor sabe não haver resposta para o que escrevo aqui. Se ele quer mudar a lei, é porque admite que ela não permite a execução da pena antes do trânsito em julgado — logo, Lula deveria ficar solto antes de eventual decisão desfavorável no Supremo, depois da também eventual confirmação da condenação no STJ. Mas o que fazer com a Constituição? O ex-juiz fala com o conforto de quem dá como certo que uma maioria no Supremo vai passar uma borracha definitiva em cláusula pétrea da Constituição. Como fez em 2016 e como fez no habeas corpus que negou ao ex-presidente.
CASO ILONA SZABÓ E AS MULHERES QUE DÃO PARA POLICIAIS
O ministro engrolou palavras sem sentido no caso de Ilona Szabó, convidada por ele a ocupar uma das 26 cadeiras no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Os reaças de Bolsonaro nas redes reagiram. O presidente obrigou Moro a desconvidá-la, o que ele fez. Não conseguiu explicação nenhuma, além do constrangimento.
Para sua sorte, não lhe foi indagado como explica a presença, no mesmo conselho, do ex-policial federal Wilson Salles Damázio, segundo quem a homossexualidade é "um desvio de conduta". Ele também acha que as mulheres gostam de "dar para policiais". Aí não houve reação nenhuma dos patriotas de Bolsonaro. E este grande pensador tem garantido seu assento. Já pode dar conselhos a Moro sobre o que fazer.
Nesse caso, há um erro de gramática moral. Mas quem se importa? Ele segue sendo o herói dos que se importam pouco com a língua portuguesa e com o Estado de Direito.
Continua aqui