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Reinaldo Azevedo

Toffoli leva inquérito ao pleno se quiser. E os crimes em nome da liberdade

Reinaldo Azevedo

23/04/2019 07h49

Outro debate vesgo e deslocado se deu nesta segunda. Será que a abertura do inquérito no Supremo, que entendo legal — e estou longe de ser o único —, tem de ser submetido ao plenário? A resposta: não! Por isso é aberto de ofício pelo presidente. Assim, de moto próprio, Dias Toffoli não tem de submeter sua decisão a ninguém. Leiam o Regimento Interno.

E as ações contra o inquérito ou suas derivações? Bem, não consta que o presidente do Supremo seja obrigado a pautá-las. E, aqui, vou pedir licença para cobrar a coerência de alguns jacobinos da moral quebrada. E olhe que os jacobinos já não eram coisa que prestasse muito estando com a moral incólume.

Acho bonito, até comovente, que tantos peçam, em nome da democracia, da colegialidade, da presteza — escolham aí palavras que dignificam… — que o pleno do tribunal dê sua palavra e que isso seja pautado com celeridade.

Onde estavam e onde têm estado essas vozes desde dezembro de 2017, quando o ministro Marco Aurélio (adversário da investigação, diga-se) anunciou que estavam prontas para voto as ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) que tratam da prisão depois da condenação em segunda instância?

Vi e li com esses olhos que a terra há de eternizar a ministra Cármen Lúcia ser elogiada por, na presidência do tribunal, negar-se sistematicamente a pautar a questão. O medo, restava claríssimo, era o de que Lula possa ser solto. Sendo, então não se paute a questão. Primeiro se produz um resultado. O resto é o resto.

Pode-se manipular a pauta por mais de um ano para não correr o risco de soltar um preso que a metafísica da hora diz que preso tem de ficar, e os brios se acendem quando se abre uma investigação que tem como alvos notórios agressores da ordem constitucional?

Roberto Barroso também já andou plantando seus descontentamentos em notinhas de jornal. Se não me engano, é aquele ministro que se aproveitou de um habeas corpus para descriminar o aborto até o terceiro mês de gestação, a despeito do que dispõem Constituição e Código Penal, e que conseguiu convencer uma maioria a mudar a disposição constitucional sobre foro especial a partir de uma simples questão de ordem. Nos dois casos, decidiu atuar como se fosse um Parlamento inteiro.

E não que eu esteja compensando uma agressão à ordem legal com outras. Estou apenas lembrando La Rochefoucauld: a hipocrisia é o tributo que o vício presta à virtude.

Os que agora vêm falar em leis e regras são seus notórios agressores. E os que aplaudiram a manipulação escancarada da pauta para não votar as ADCs sobre o Artigo 283 do Código de Processo Penal se esmeram em pedir o concurso do pleno.

Num caso e noutro se deve perguntar: para punir quem? Para proteger quem?

Não é de se estranhar que, nesse contexto, tenham surgido como grandes defensores da liberdade de expressão o Clube Militar, o presidente Jair Bolsonaro e até Santos Cruz, o ministro-general que admitiu ter sido ele a autorizar que uma página oficial divulgasse um vídeo negando que tenha havido golpe em 1964. É aquele movimento que colocou censores dentro dos jornais e que matou jornalistas.

Daqui a pouco, estaremos como Madame Roland, a caminho da guilhotina: "Oh, liberdade de Expressão! Quantos crimes se cometem em teu nome!"

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.