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Reinaldo Azevedo

PGR 1: Bolsonaro volta a dar sinais de que pode ignorar lista tríplice

Reinaldo Azevedo

30/04/2019 07h03

A imponente sede da PGR: os vários grupos do Partido da Polícia se organizam para controlá-la

Como diria Faustão, com o presidente Bolsonaro, "é tudo no pessoal". Até o profissional. Leio no Painel da Folha o seguinte:
"No sábado (27), durante almoço na casa do ministro Walton Alencar, do TCU, Jair Bolsonaro deu pistas de como deve conduzir a sucessão de Raquel Dodge. O presidente puxou o tema ao fazer perguntas sobre a lista tríplice para a PGR e disparou, aos risos: "Só uma coisa é certa: quem estiver na lista não será". Os demais entenderam que se tratava de brincadeira, e então ele emendou: "Vale o que eu dizia lá atrás… O que quero de um procurador-geral é que respeite o artigo 53 da Constituição".
Meia palavra basta: O dispositivo citado por Bolsonaro estabelece que deputados e senadores são "invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". Em 2018, quando o presidente ainda era parlamentar, Dodge o denunciou ao STF por crime de racismo.

Retomo
E não é só o caso de racismo — quando, em palestra, o então pré-candidato afirmou que o membro de uma comunidade quilombola poderia ser pesado em arrobas e já não servia nem para reprodução — que levou Bolsonaro ao Supremo. Há também as duas ações que o tornaram réu no tribunal envolvendo a deputada Maria do Rosário (PT-RS), aquela que, segundo disse o valente em uma entrevista, não mereceria ser estuprada porque "muito feia".

Lembro o que diz o caput do Artigo 53 da Constituição:
"Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos."

Ao aceitar as denúncias em 2014 — uma ação movida pela própria Maria do Rosário e outra pelo Ministério Público —, a Primeira Turma do STF considerou, por 4 a 1, que a imunidade não serve para justificar o cometimento de crimes: incitação ao estupro (no caso da ação do MPF) e injúria (na ação da própria deputada). Luiz Fux, que foi o relator, entendeu que as declarações não tinham relação com o exercício do mandato e não estavam protegidas pela imunidade — entendimento que eu também tenho. Foi seguido por Edson Fachin, Roberto Barroso e Rosa Weber. Só Marco Aurélio acatou a tese da defesa.

O processo começou a andar a passos de cágado no começo de 2018… Chamadas a depor, testemunhas listadas pela defesa alegavam impossibilidade, e o relator — o próprio Fux — foi empurrando a coisa com a toga. Não custa notar: tivesse sido condenado em processo criminal, Bolsonaro teria perdido o mandato e se tornado inelegível.

Bolsonaro acha mesmo que um parlamentar pode falar qualquer coisa? Pode, por exemplo, usar a tribuna para defender, deixem-me ver…, a pedofilia? Ou o terrorismo? Ou a tortura? Se a imunidade está acima de tudo, então sim. Pode??? Se o presidente disser que, nesses casos, a resposta é "não", por que seria diferente com o estupro?

VOLTO À PROCURADORIA
Lembram-se do tal fiscal que aplicou uma multa ao então deputado Bolsonaro por pesca em área irregular? Perdeu o cargo de confiança que ocupava. Agora, ele diz, ao pensar em um nome para a PGR, tem de ser alguém que respeite o Artigo 53… Duvido que ele realmente defenda que um parlamentar pode falar qualquer coisa. Ele defende, isto sim, que ele próprio pode falar qualquer coisa. Ou pescar em qualquer lugar.

RAQUEL DODGE
Raquel Dodge tentou se movimentar para ver se poderia se manter no páreo. Acho que acabou se enrolando. Vinha mantendo relações cordiais com no Supremo, o que sempre é um amparo importante. No episódio, no entanto, do inquérito aberto de ofício pelo ministro Dias Toffoli — que entendo dentro da lei —, queimou algumas pontes. Além de declarar o arquivamento do que não estava sob seus cuidados e nulas eventuais provas colhidas, conclamou a corporação — o Ministério Público —, em qualquer instância, a arquivar eventuais pedidos de investigação encaminhados pelo Supremo. E fez tal conclamação em nome da unidade do órgão. Agiu muito mal. Ela está afirmando, então, que, diante de um eventual crime escancarado, o MP deve virar as costas para a sociedade?

Acho que, assim, nem conquista as simpatias do capitão nem se credencia como voz realmente independente. Atrapalhou-se. Dodge está longe de integrar as hostes doidivanas que veem o MP como o Poder dos Poderes, mas parece que não soube lidar com a pressão.
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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.