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Reinaldo Azevedo

Gás: Reestruturação lembrará qual Chicago? A Escola ou aquela dos anos 20?

Reinaldo Azevedo

01/05/2019 17h02

Langoni, Tavares e Luca: o trio elaborou proposta de reestruturação do setor de gás. Com que isenção?

O "Poder360" publica hoje uma reportagem sobre o que quer Paulo Guedes para o mercado de gás no Brasil. A ser como está lá — e não há razão para desconfiar dos dados objetivos da informação —, o espírito que comanda a reforma do setor nada tem a ver com o liberalismo de Chicago, mas com o "cartorialismo entre iguais" de Banânia mesmo. O problema é que, para atingir aquilo a que muitos chamariam "modernização do setor", seria preciso depreciar uma parte do patrimônio público e, ora vejam!, também do privado, já que a Petrobras é uma empresa de economia mista. A se concretizar o que está no "estudo" a que página teve acesso, podem esperar uma tempestade de ações judiciais — eventualmente, também na esfera penal. A íntegra da reportagem está aqui. Do que estamos falando?

Informa o texto:
A Petrobras deverá abrir mão de receitas para que o mercado de gás natural tenha 1 "choque de energia barata", como promete o ministro de Economia, Paulo Guedes. Para tentar quebrar o monopólio no setor, o governo deseja que a estatal venda todos os gasodutos e participações em distribuidoras de gás estaduais. De acordo com 1 estudo preliminar ao qual o Poder360 teve acesso, seria imposto à petroleira a liberação da condição de carregador único –jargão do mercado para designar o dono do gás natural que está sendo transportado no gasoduto. Em alguns casos, a exclusividade da Petrobras tem vigência até 2020.  A empresa teria também de vender todos os gasodutos nos quais é acionista e 100% das participações nas distribuidoras de gás. Enquanto não concluir as vendas, a Petrobras ficaria proibida de "indicar membros da Diretoria Executiva ou Conselho de Administração, evitando a assimetria de informações com outros agentes".

(…)
Segundo o estudo ao qual o Poder360 teve acesso, o processo de saída da Petrobras do mercado de distribuição seria por meio de 1 TAC (Termo de Ajuste de Conduta) entre a estatal, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e a ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural, Biocombustíveis).
O estudo reconfigura totalmente o mercado de gás natural. Restam dúvidas de como a Petrobras, empresa com ações em Bolsa, no Brasil e nos Estados Unidos, aceitaria as medidas sem prejudicar os interesses de seus acionistas.
(…)

Retomo
Como diria o parceiro de chope daquela música da banda Blitz — sim, já sou meio antigo e conheço o patrimonialismo brasileiro que faz pose de liberalismo —, "tá tudo muito bom, tá tudo muito bem, mas realmente…." Bem, realmente, os liberais de fato prefeririam que o tal estudo fosse feito por gente que não vai lucrar, e muito, com as mudanças, ainda que estas possam eventualmente beneficiar os pobres. Até porque um liberal não se dispensa da moral e da ética, não é mesmo? Quer o bem comum — gás mais barato —, mas sem que uma concertação entre privados resulte em benefícios muito maiores aos beneméritos do povo. Por que escrevo isso?

Leiam o que informa o Poder 360 sobre os autores do Estudo:
A análise foi encomendada por Guedes ao seu amigo Carlos Langoni ainda em novembro de 2018, logo após a vitória de Jair Bolsonaro nas urnas. Da turma dos Chicago Oldies, Langoni é ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial, ligado à FGV (Fundação Getúlio Vargas).

O economista ganha a vida presidindo a empresa Projeto Langoni Consultoria Econômica, que está com site inativo. Em nota (íntegra) ao Poder360, ele disse que a consultoria tem foco em análises macroeconômicas com avaliação da perspectiva de risco-país para 1 grupo "seleto de empresas dos mais diferentes setores, sem ênfase no setor de óleo e gás".

Para elaborar o plano, Langoni convidou João Carlos de Luca, ex-presidente do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis) e um dos donos da Barra Energia, empresa de exploração e produção de petróleo com participação no campo de Atlanta, no pré-sal da Bacia de Santos. O 3º integrante do time é Marco Tavares, sócio-fundador da Gas Energy.

Entre os clientes da consultoria de Tavares estão grandes petroleiras como Shell, Repsol, BP; distribuidoras de gás da Bahia, Minas Gerais e Santa Catarina; além de empresas do setor elétrico; instituições financeiras; e associações.

O trio apadrinhado por Guedes é responsável por apresentar o prato feito ao ministro almirante Bento Albuquerque (Minas e Energia), aos técnicos do MME, à Petrobras, ao Cade e aos governadores estaduais. O almirante Bento Albuquerque não teve voz na escolha do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco –que foi escolha direta de Paulo Guedes. Agora, recebeu 1 plano já formatado para reformular o mercado de gás. Além de reuniões com o chefe da equipe econômica, Langoni, Tavares e Carlos de Luca foram convidados para 1 encontro reservado na 2ª feira (29.abr.2019), no MME. O Poder360 recebeu cópia da lista dos presentes, que foi enviada por e-mail a todos os que participariam do encontro.

RETOMO OUTRA VEZ
Aí fica ruim, não é? Ainda que a reestruturação do mercado de gás deva ser feita por quem entende de gás, parece certo que não deva ter a marca de quem vai lucrar diretamente com a mudança, que seria feita com alguns lances de truculência explícita.

Nessa hora, entra a voz dos ditos pragmáticos: "Que importa a cor dos gatos se eles caçam os ratos?" Claro, claro! Mas quantas pessoas estão hoje no banco dos réus, e algumas presas, em razão de operações que, vá lá, no fim das contas, também ajudavam os pobres, mas ajudavam ainda mais os ricos? Não é porque inexista — que se perceba — um braço político-eleitoral (contribuição de campanha) na operação que ela se legitima por si.

LOBBY
Este que escreve é favorável à legalização do lobby. Que os interesses em jogo tenham voz e corpo claros. E que todos os interessados, então, possam apresentar seus pleitos. Mas uma coisa precisa ficar clara: o poder público não é nem procurador nem vaca leiteira de lobistas.

Ainda que todos os envolvidos nessa "reestruturação do setor de gás" sejam mais desapegados do que São Francisco de Assis, cumpre adaptar conhecido adágio: quando se mexe com dinheiro alheio e quando muitos vão faturar os tubos, literalmente, com uma reestruturação, não basta ser São Francisco de Assis. É preciso também parecer São Francisco de Assis.

E, no caso em tela, as pessoas nem são nem parecem. Não quer dizer que sejam desonestas. Quer dizer apenas que têm interesses e não podem se fingir de isentas como as flores.

Como diria aquele grande pensador que acampa no Palácio do Planalto, "é preciso mudar isso daí".

Esse troço pode lembrar Chicago, mas a "Escola de Chicago"

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.