Venezuela: Bolsonaro insiste em acenar com outro crime de responsabilidade
No dia 29 de março, numa coluna na Folha, listei os crimes de responsabilidade que Jair Bolsonaro já cometeu: há a quase jocosa, ainda que espantosa, divulgação do filminho pornô; a ordem para comemorar o golpe militar de 1964; a visita à CIA para confessadamente tratar da queda de Nicolás Maduro… Afrontam a Constituição e a Lei 1.079, a do impeachment. Também lembrei naquele texto que um presidente não cai só porque cometeu crime. Processo e julgamento são políticos. Se ele perde apoio do Congresso em razão de barbeiragens, como aconteceu com Dilma, aí já era. Note-se: crimes de responsabilidade não expiram. Têm validade nos quatro anos de mandato. E o presidente da República continua tentado a fazer bobagens…
Nesta quarta, depois de uma reunião com ministros para tratar da crise na Venezuela, Bolsonaro concedeu uma pequena entrevista. Negou que o Brasil esteja pensando numa intervenção militar no país vizinho — é bom lembrar que, segundo ele, as nossas Forças Armadas estão sucateadas e poderiam ser derrotadas pelos venezuelanos, o que é piada — ou que haja a intenção de ceder o território brasileiro para a passagem de tropas americanas. E o fez nestes termos, prestem atenção:
"Por enquanto, não há nenhum contato nesse sentido. Se, porventura, vier, o que é normal nós acontecermos (???), o presidente reúne o Conselho de Defesa, toma uma decisão e participa ao Parlamento brasileiro".
Disse isso com o cenho fechado, quase com cara de mau, como a anunciar quem manda. No dia 19 de março, escrevi aqui um post intitulado: "DESASTRES DE BOLSONARO 3: Cuidado para não cair tentando derrubar Maduro". E lá lembrei o óbvio:
A questão da participação ou colaboração do Brasil numa eventual intervenção militar dos EUA na Venezuela não se resume a um óbice militar. Antes dele, há a questão política. E, se Jair Bolsonaro não tomar cuidado, o seu esforço para derrubar Maduro pode ser o atalho de sua própria queda. A menos que o Brasil esteja crescendo a taxas espantosas, em regime de pleno emprego e com a população rindo de orelha a orelha com, por exemplo, a reforma da Previdência. Por que digo isso?
A Constituição consagra, nos Incisos III e IV do Artigo 4º, respectivamente, os princípios da
"III – autodeterminação dos povos e da
"IV – não-intervenção".
Mais um pouco.
Segundo dispõe o Inciso II do Artigo 49 da Constituição, compete ao Congresso Nacional
"II – autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar"
E só pode submeter esse pedido ao Congresso depois de ouvir os Conselhos da República e de Defesa Nacional, conforme dispõe o Inciso II do Artigo 137."
Entenderam? Bolsonaro precisa pedir permissão ao Congresso. Se ouvir um "não", então é "não". E ele insiste que a decisão é "EXCLUSIVAMENTE" sua, como escreveu no Twitter, sendo prontamente corrigido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também na rede social.
Não tomem como uma questão irrelevante. E também saiam do conforto de achar que seria loucura demais pensar em algo parecido. Bolsonaro está cercado de gente que defende que o Brasil participe de uma eventual expedição punitiva ao regime de Nicolás Maduro, a começar do chanceler Ernesto Araújo, que já sugeriu que se abrisse na Amazônia um corredor para a passagem das tropas americanas e que o aeroporto de Macapá fosse usado como suporte. Há malucos querendo brincar de jogos de guerra.
Se o Congresso autorizasse a intervenção ou a cessão do território aos americanos, o país se afundaria com a concordância do Parlamento. Mas estaríamos dentro das regras do jogo. Se o presidente decidisse contrariar o Legislativo, estariam violando a Constituição ele os militares que obedecessem a seu comando. Caberia ao Supremo determinar o cumprimento da Constituição. Se desobedecido, aí estaríamos diante de um golpe militar — ou de um autogolpe, como queiram.
Convém não subestimar a sandice. Não faltam loucos no entorno do presidente. Por enquanto, os militares estão conseguindo conter os arroubos. Mas é bom lembrar que Bolsonaro acaba de mandar condecorar com a mais alta distinção da República ninguém menos do que Olavo de Carvalho — aquele que prega, justamente, que o chefe do Executivo se livre do que considera burocracia militar e dos Poderes e fale diretamente com a galera: com ou sem farda.
Reitero minha advertência: "Cuidado, Bolsonaro, para não cair tentando derrubar Maduro!"