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Reinaldo Azevedo

Corram, crianças pobres e pretas! Olhem o helicóptero de Witzel! E o Fasano

Reinaldo Azevedo

07/05/2019 08h49

O governador do Rio, Wilson Witzel, não é do tipo que se rende fácil ao mundo da razão. Quando chega ao limite da insanidade, dá mais um passo. Dois dias depois daquela pantomima potencialmente homicida em Angra dos Reis, em que ele entrou num helicóptero que disparou tiros sabe-se lá contra quem em uma área da cidade, houve uma operação no complexo de favelas da Maré.

O objetivo era prender o traficante Thomaz Jhayson Vieira Gomes, antes chamado de "2N" e agora de "3N", depois que trocou de facção criminosa. Ele, que havia fugido do complexo de favelas do Salgueiro, em São Gonçalo, estava escondido no local. Escapou ao cerco. Mas não se perdeu a viagem. A expedição do dia deve ter sido bem-sucedida segundo o "IWE" — o "Índice Witzel de Eficiência". Fizeram-se oito cadáveres. Segundo as informações oficiais, todos eram ligados ao narcotráfico. Três pessoas foram presas — uma delas é mulher de "3N". Ainda de acordo com a Polícia, apreenderam-se sete fuzis, além de pistolas e granadas. Os confrontos se concentraram nas comunidades Palace (Conjunto Esperança), Salsa e Merengue e Vila do João.

Qual o problema de a Polícia prender ou tentar prender traficantes? Nenhum! Deve fazê-lo. É uma obrigação. Eu fui um dos críticos de primeira hora da política "espalha-bandido" de Sérgio Cabral, sob o pretexto de instalar UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). O problema é que, também na Maré, a exemplo do que se fez em Angra, a Polícia de Witzel recorreu a helicópteros que atiram a esmo.

Vídeos e fotos nas redes sociais mostram crianças saindo das escolas debaixo da chuva de balas. A ação, de uma espantosa irresponsabilidade, foi comandada pela Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), a mesma que gerenciou o ataque — o nome é esse — em Angra dos Reis.

Relata um morador: "Estava saindo para trabalhar e várias crianças saíam da escola. Do nada o (helicóptero da Polícia Civil) Águia começou a dar tiros para baixo, bem próximo da escola, e todas as pessoas que estavam ali correram. Era triste ver o choro desesperador das crianças". Diz outra: "Alvejaram minha casa, que é de telha, estou passando mal. Isso é falta de respeito com as pessoas! Achei que ia quebrar, meu irmão assustado, meus cachorros, chorando. Tenho problema no coração, imagina como não fiquei? Achei que ia morrer".

E o que disse Witzel, o valentão que aparece em vídeos no sábado, como um Rambo disposto a enfrentar soldados inimigos? Prestem atenção à sua fala:
"Se você reclamar da atuação da polícia, é melhor não ter polícia. Se formos reclamar que tem polícia na rua e trabalhando, então é melhor fechar isso aqui e entregar a chave para o tráfico de drogas. A princípio, quem foi morto é porque estava de fuzil e atirou contra a polícia."

O doutor não vê diferença, como se nota, entre uma ação policial legítima e disparos a esmo, que põem em risco pessoas inocentes, muito especialmente as crianças. É um despropósito.

Fasano
Witzel e sua família se hospedaram no Fasano, que tem uma de suas unidades de alto luxo em Angra. Segundo ele disse, a empresa lhes forneceu uma cortesia, mas ele teria pagado suas despesas pessoais — não sei isso inclui a de familiares. E como explicar a, digamos, esticada?

Apostando, quero crer, que as pessoas acreditam em qualquer lorota em nome da caça a bandidos, ele disse esta pérola:
"O hotel foi escolhido porque ali fizemos o pouso da aeronave. Foi deslocado o gabinete de segurança pública. Fui com a minha família, que está sob proteção. Todos os nossos deslocamentos são avaliados pela segurança. Se a segurança entender que o melhor deslocamento é por via aérea, seremos deslocados por via aérea. Não tiro licença. Sou governador 24 horas por dia. As minhas despesas pessoais, eu paguei com meu cartão de crédito".

Vamos ver:
1: como sua família está sob proteção, o governador, então, a leva junto para um local em que haverá tiroteio?;
2: se sua família tivesse permanecido no Rio, não estaria segura?;
3: quanto tempo o governador demoraria para voltar para a capital, depois da chuva de balas promovida em Angra?;
4: o governador está tentando nos dizer que se hospedou no Fasano com toda a família por questão de segurança, é isso?;
5: ele poderia apresentar as evidências de que pagou a conta? De quanto?

Até agora, há um silêncio constrangedor do Ministério Público Estadual, que jogou a bola para a Procuradoria-Geral da República. O órgão estaria pensando em se mobilizar contra os descalabros do governador. Por enquanto, nada. Diante dessa possibilidade, afirmou Witzel:
"O fato de eu utilizar o helicóptero da Polícia Civil, juntamente com delegados e o prefeito (Fernando Antônio Cecíliano Jordão, de Angra), para fazer reconhecimento de uma área tomada pelo tráfico de drogas e armas, não deveria ser a preocupação da Procuradora-Geral da República. É melhor a procuradoria se preocupar com o tráfico de armas e drogas."

Reconhecimento uma ova! O helicóptero despejou uma chuva de balas. Quais eram os alvos? E, mais uma vez, fica evidente a má consciência: se existem crime e narcotráfico, então tudo é permitido? Inclusive disparar a esmo, de um helicóptero, em ambientes densamente povoados, em meio a crianças que estão saindo da escola?

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.