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Reinaldo Azevedo

Coaf com Moro vai na contramão do que há na Europa e dificulta cooperação

Reinaldo Azevedo

11/05/2019 06h21

Ana Carolina Carlos Oliveira é pesquisadora do instituto alemão Max Planck e estuda unidades de inteligência financeira na Europa (Karime Xavier / Folhapress)

Como sabem, já escrevi diversos posts afirmando que o lugar do Coaf é o Ministério da Economia, não o Ministério da Justiça. E não é nem pode ser um órgão policial.
Leiam uma entrevista publicada neste sábado pela Folha:
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Nas vésperas das festas de fim de ano, a pesquisadora Ana Carolina Carlos de Oliveira viajou de Barcelona, onde mora, para o interior de São Paulo para visitar sua família e se surpreendeu ao ler no jornal que o futuro ministro Sergio Moro pretendia mudar o Coaf (Conselho de Controle de Atividade Financeira) da pasta da Fazenda para a estrutura do Ministério da Justiça, que ele comandaria a partir de janeiro.
"Isso vai na contramão do que estão fazendo na Europa. Pode não ser bom para a relação do Coaf com as outras unidades de inteligência financeiras de países importantes", disse.​

Mestre e doutora em direito penal pela Universidade de São Paulo e especialista em direito penal pela Universidade de Barcelona, Ana Carolina Carlos faz parte de um grupo de pesquisadores internacionais no Instituto Max Planck, da Alemanha, em um projeto que compara sistemas de prevenção de lavagem de dinheiro e fluxos de informação entre unidades de inteligência financeira na Europa.

A pesquisa compara os sistemas da Espanha, Itália, Alemanha, Suíça e Reino Unido, para identificar os pontos de possível aperfeiçoamento e correção das falhas do regime jurídico da prevenção da lavagem de dinheiro e propor reformas legislativas. "A independência do Coaf brasileiro precisa ser preservada".

Como analisa a transferência do Coaf do Ministério da Economia para a Justiça?
Transferir o Coaf para o Ministério da Justiça aproxima o órgão das características das unidades de inteligência financeira (UIF) policiais. A grande maioria das UIFs europeias está situada em ministérios equivalentes ao que era o Ministério da Fazenda no Brasil. Ou seja, tem característica mais administrativa do que policial. Alemanha, Suíça, França e Espanha, para citar alguns exemplos, têm unidades administrativas. Isso porque essa posição institucional garante aos pares internacionais que a informação compartilhada será tratada com mais sigilo pela unidade de destino, não será diretamente transferida à polícia sem a prévia análise de inteligência financeira, preservando também do risco de vazamento de informações e a confidencialidade dos dados de pessoas que sequer são investigadas criminalmente. O Brasil está totalmente na contramão do que está acontecendo na Europa.

Então a mudança pode prejudicar a cooperação do Coaf brasileiro com unidades dos outros países?
Tradicionalmente, a cooperação internacional funciona mais harmonicamente entre unidades de inteligência financeira de características similares. As unidades policiais cooperam melhor com seus pares com características policiais e unidades administrativas cooperam melhor com as administrativas. Ocorre, no entanto, que caminhamos internacionalmente para um modelo bastante enfocado na unidade administrativa, submetida à Fazenda. Tanto é assim que a Alemanha, país que por anos manteve sua unidade de inteligência financeira submetida ao Ministério da Justiça e à polícia nacional, reformou seu sistema de prevenção de lavagem de dinheiro em junho de 2018 e transferiu sua unidade de inteligência financeira para o equivalente ao nosso Ministério da Fazenda. Um dos objetivos do país com essa mudança foi harmonizar-se com as demais unidades europeias e facilitar a cooperação internacional. Por isso, alterando o modelo brasileiro (administrativo) para um modelo mais policial (no Ministério da Justiça), estaríamos na contramão das tendências internacionais, o que possivelmente pode dificultar a cooperação de órgãos estrangeiros com o Brasil.
(…)

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.