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Reinaldo Azevedo

Quando e por que Lula vai para casa, os embargos e a condenação sem provas

Reinaldo Azevedo

12/05/2019 07h57

A defesa do ex-presidente protocolou na noite de sexta-feira, no STJ (Superior Tribunal de Justiça), os chamados "embargos de declaração", recurso que serve para que o tribunal esclareça eventuais obscuridades do acórdão e corrija contradições e omissões. A íntegra do documento está aqui. Os advogados de Lula defendem, uma vez mais, a absolvição de seu cliente ou a nulidade do processo, que seriam, na linha de argumentação adotada, consequências das correções necessárias. Vale dizer: ao responder às obscuridades, contradições e omissões, ficariam evidenciadas a inocência de Lula e a nulidade do processo. Não sendo bem-sucedidos nesse intento, solicitam a progressão da pena do regime fechado para o semiaberto. Como inexistem instituições prisionais adequadas a essa modalidade de cumprimento da pena, pedem que esta seja exercida em regime domiciliar desde já. Há várias coisas a observar.

Pergunta-se: o pedido de prisão domiciliar implica admissão de culpa ou conformismo com a sentença? Não! O documento é explícito a respeito:
"O Embargante não deixará de acionar o Poder Judiciário para que esse reconheça sua inocência em relação aos fatos tratados neste processo. Não se busca somente a remodelação da pena, como fez esse Superior Tribunal, ou apenas a modificação do regime inicial de cumprimento: o que se quer, genuinamente, é a absolvição plena, retirando-se do Embargante o peso das sanções penais, extrapenais e etiquetas sociais que recaem injustamente sobre seus ombros, por força de um processo frágil e persecutório que um dia — e esse dia haverá de chegar— será visto como uma das páginas mais tristes de nossa história, mostrando, para as gerações como atuaram os protagonistas dessa monumental injustiça."

PRISÃO DOMICILIAR E PRAZOS
É claro que a defesa de Lula faz bem em pedir a progressão da pena para o caso de a resposta às suas questões não levar à absolvição e/ou à nulidade. E, convenham, é pouco provável que isso aconteça. Os julgamentos em terceira instância não reexaminam provas; fixam-se nas chamadas questões de direito — eventuais vícios e erros formais do processo que podem ter prejudicado o condenado. Nesse caso, não há um, mas vários. Mas o tribunal não parece disposto a reconhecê-los.

Lula já obteve uma vitória parcial importante: o tribunal reduziu a pena de 12 anos e 1 mês de prisão, imposta pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, para 8 anos, 10 meses e 20 dias. O STJ ainda baixou o valor da reparação à Petrobras: dos escandalosos R$ 29 milhões (originalmente, R$ 16 milhões, mas há a correção) para R$ 2,4 milhões. Os 175 dias-multa caíram para 50: de R$ 1.013.600 para R$ 181 mil.

O que há de relevante na redução da pena de Lula? Se o preso tiver bom comportamento, pode acontecer a progressão do regime depois do cumprimento de um sexto. A condenação ficou em 106 meses e 20 dias. Um sexto corresponde a 17 meses e 21 dias. Lula foi preso no dia 7 de abril do ano passado. Está na cadeia, portanto, há 13 meses. Por essa conta, passará para o regime semiaberto em outubro.

Sua defesa faz um outro cálculo, endossado por alguns especialistas, mas que me parece improcedente: subtrai da pena de 8 anos e 10 meses os 13 meses já cumpridos. Assim, restariam ao ex-presidente 7 anos e nove meses. Como a pena restante é inferior a oito anos, o relaxamento do regime poderia acontecer desde já. A Alínea "b" do Parágrafo 2º do Artigo 33 do Código Penal, de fato, estabelece:
"o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto;"

A expressão "desde o princípio" da lei parece evidenciar que se trata de regime inicial de cumprimento de pena, e Lula não se encaixa nessa hipótese.

Assim, duvido que o tribunal condescenda com essa leitura. Caso não anule o processo ou não absolva Lula — hipótese praticamente impossível —, é pouco provável que o ex-presidente deixe a cadeia antes de outubro. Fosse pela vontade do TRF-4, isso só aconteceria em abril de 2020.

EMBARGOS, FALTA DE PROVAS ETC.
Todos conhecem a minha opinião — que, a rigor, nem opinião considero porque há os documentos legais que evidenciam a afirmação: Lula foi condenado pelo então juiz Sérgio Moro sem provas. O TRF-4 endossou a sentença e ainda majorou a pena. O STJ a referendou, mas reduziu substancialmente o tempo e a multa.

Moro admitiu com todas as letras que o tal tríplex de Guarujá não tinha origem nos contratos com a Petrobras celebrados por consórcio integrado pela OAS. Escreveu, respondendo a embargos de declaração:
"Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente".

Ocorre que a denúncia do Ministério Público Federal asseverava ser o imóvel fruto da propina derivada daqueles contratos. Tentando justificar a condenação, escreveu aquele que depois virou ministro de Jair Bolsonaro:
"A corrupção perfectibilizou-se com o abatimento do preço do apartamento e do custo da reforma da conta geral de propinas, não sendo necessário para tanto a transferência da titularidade formal do imóvel".

Ocorre que não há prova da existência dessa tal conta, a não ser pelo testemunho de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, que estava preso quando falou sobre a dita-cuja e de olho nos benefícios de uma delação premiada. Também é seu o testemunho de que o tal imóvel pertencia a Lula. Documentos de fé pública apontam que não. Mais: a Justiça estadual determinou que a Bancoop devolva ao espólio de Marisa Letícia, mulher de Lula, que morreu em fevereiro de 2017, o valor do pagamento de cotas do consórcio de um imóvel-tipo — não da cobertura — do edifício Solaris. Ou por outra: ainda que se tenha tentado, num dado momento, a troca do apartamento-padrão pelo tríplex, a Justiça reconhece que Marisa efetivamente pagou o consórcio.

Leiam os embargos. Aponta-se uma penca de inconsistências na condenação. Mais do que a absolvição, entendo que o processo deveria ser anulado. Afinal, se o apartamento não saiu dos contratos com a Petrobras, então Moro não deveria ter sido o juiz ainda que tivesse havido corrupção. Aí resta a tese de que, de algum modo, está dada a responsabilidade de Lula porque, afinal, havia um grande esquema de corrupção na estatal e em outras áreas de que ele seria o chefe. Está no acórdão do STJ:
"Registra-se que Ação Penal n. 5046512-94.2016.4.04.7000/PR tinha como objeto apurar se o agravante, na condição de Presidente da República, concorreu para o ambiente de corrupção sistêmica instalado na Petrobrás, obtendo vantagens indevidas para os partidos políticos, para agentes públicos e para si próprio mediante contratos firmados entre a Petrobrás e a Construtora OAS."

Ocorre, meus caros, como lembra a defesa, que essa acusação não diz respeito a essa ação penal do apartamento de Guarujá. Como consta dos embargos, "essa matéria é objeto de apuração diversa perante a Justiça Federal de Brasília/DF, após declinação de competência pelo Supremo Tribunal Federal".

Não menos frágil, vejam lá, é a acusação de lavagem de dinheiro. Nota: mesmo que o Supremo, quando o caso lá chegar, endosse a condenação por corrupção passiva, é pouco provável que seja confirmada a de lavagem. Se o apartamento era o fruto do crime, como quer a acusação, pune-se o suposto criminoso duas vezes pelo mesmo delito. E, de resto, inexiste a prova de que o presidente fosse o dono oculto do imóvel.

CONCLUINDO
1- É praticamente impossível que o STJ absolva Lula ou anule o processo. E não o fará não é por falta de motivos, mas pelo excesso deles; o espírito de corpo não deixa;

2- duvido que o STJ concorde com a tese de que Lula pode deixar a cadeia já; não vejo como isso possa acontecer antes de outubro;

3- depois do Recurso Especial ao STJ, resta o Recurso Extraordinário ao STF;

4- Lula tem uma outra condenação em primeira instância — esta relativa ao sítio de Atibaia — a 12 anos e 11 meses de prisão. Mantida a jurisprudência do Supremo, que autoriza prisão depois da condenação em segunda instância (CONTRA O QUE DEFINEM O INCISO LVII DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO E O ARTIGO 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL), e confirmada pelo TRF-4 a sentença na ação penal sobre o sítio, o petista pode voltar para a cadeia

5- E nesse caso? Há provas de que o sítio tem origem em contratos com a Petrobras? Também não! A sentença é praticamente um copia/cola daquela relativa ao tríplex. Tanto é assim que a juíza Gabriela Hardt chegou a trocar "sítio" por "apartamento" em seu texto. É a mesma que homologou aquele acordo celebrado por Deltan Dallagnol que criava aquela absurda fundação com os R$ 2,5 bilhões (!!!) de multa paga pela Petrobras. Mais uma vez, investiu-se na tese da tal "corrupção sistêmica", de que Lula seria o chefe. Ocorre que essa é outra ação penal.

6- Nas democracias, condena-se alguém quando o órgão acusador apresenta as provas da denúncia que fez. Sem elas, absolve-se. E não se manda ninguém para a cadeia só para dar o exemplo.

Como? Você não gosta de Lula? O que isso tem a ver com o Estado de Direito?

Se gostar ou não gostar é critério para prender ou não, você estará obrigado a admitir que há bandidos de sua predileção que estão soltos por aí.

Nas democracias, não há resposta aceitável fora do Estado de Direito.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.