Caem sigilos de Flávio. Não é o tsunami antevisto por Bolsonaro. Não ainda
A Justiça do Rio quebrou o sigilo bancário e fiscal do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro; de Fabrício Queiroz, seu ex-faz-tudo; de duas das filhas do polêmico assessor e de mais 80 pessoas que atuaram como funcionários no gabinete de Flávio quando deputado estadual. E, por óbvio, os Bolsonaros ainda podem ser gratos. Já digo por quê.
A autorização judicial foi concedida no dia 24 de abril. E é claro que Flávio já sabia do ocorrido ao conceder a entrevista ao Estadão, publicada nesta segunda. Resta evidente, ao ler as suas respostas, que ele está indignado justamente com o fato de a investigação estar em curso. Chamei ontem a atenção para este dado e o faço de novo: na conversa com o jornal, o parlamentar afirma que seu sigilo já foi quebrado e exposto na Internet. É falso. O que se divulgou foram movimentações atípicas em uma conta sua: 48 depósitos de R$ 2 mil entre junho e julho de 2017. Os dados são do Coaf. Se houve quebra ilegal de sigilo, ninguém ficou sabendo.
É claro que há um potencial devastador no conjunto da obra. Não custa lembrar que Fabrício repassou R$ 24 mil para a conta de Michelle, ninguém menos do que a mulher de Jair, o presidente da República, que se saiu com uma explicação que não comoveu muita gente: seria pagamento de um empréstimo que ele, Bolsonaro, teria feito a Fabrício. Tudo no fio do bigode. Sem papel. Bem, esse tal Fabrício é aquele que, não tendo uma explicação plausível para a bolada que movimentava em sua conta, saiu-se com uma máxima formidável: "Eu sei fazer dinheiro".
Pelo visto, vai ter de convencer a Polícia, o Ministério Público e a Justiça.
Na entrevista ao Estadão, Flávio tenta convencer o leitor de que jabutis sobem em árvores. E, bem, não sobem. Se lá estão, ou alguém os colocou ou houve uma enchente. As suas explicações para as lambanças de Queiroz e para a multiplicação de seu próprio patrimônio são frágeis — no que tentam elucidar alguma coisa. O senador é econômico e prefere não falar do que considera sua "vida privada". A quebra do sigilo bancário abarca o período entre 2007 e 2018, e do fiscal, entre 2008 e 2018.
Tanto Flávio como seu pai insistem na tese da conspiração de natureza política — no que, convenham, não inovam. Não deixa de ser curioso e, a seu modo, divertido ler as piruetas verbais a que se dedicam os Bolsonaros e alguns de seus seguidores nas redes. Como sabemos, essa gente nunca teve nada parecido com misericórdia — para empregar um termo demasiadamente humano — ou apreço pela presunção de inocência, para ficar no terreno jurídico, quando seus adversários se tornaram alvos de investigação. Ao contrário: os oponentes eram chamados implacavelmente de "bandidos". Quando um dos seus entra na mira, bem, aí a coisa muda de figura. É verdade que nunca se sabe quando a gritaria está sendo promovida por pessoas reais ou por robôs.
E agora volto ao ponto inicial. Os Bolsonaros devem erguer as mãos para o céu com o fato de que não se empregou, até agora, nesse caso, os métodos consagrados pela Lava Jato. Convenham: por muito menos, a turma de Deltan Dallagnol e Sérgio Moro (hoje no Ministério da Justiça) pediu e autorizou a prisão preventiva de investigados. E olhem que, com frequência, pessoas que nem mesmo tinham sido chamadas para depor ou que nem sabiam que estavam sob investigação eram postas em cana. Sob a guarda do Estado, era-lhes — e assim ainda é — oferecida a oportunidade da delação premiada. E então estava dado o dilema: listar nomes que os interrogadores queriam ouvir ou apodrecer na cadeia? Conhecemos o desfecho.
No caso em tela, o que temos é gente que foge de depoimentos, que prefere não falar e que sai atacando a investigação, como faz Flávio Bolsonaro. Com o apoio explícito do presidente da República. Afinal, sabemos, Flávio é sangue do seu sangue. Não se sabe o que poderia sair daí com eventual prisão preventiva e oferta de delação premiada. Já imaginaram? Bolsonaro pai gosta do método — ao menos com os outros. Ou Moro não seria o seu ministro, não é mesmo? Ainda que em processo de liquefação.
Não é o tsunami antevisto por Bolsonaro. Não ainda.