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Reinaldo Azevedo

Ataque ao Congresso, ao Judiciário e à imprensa. Seria o fascismo cultural?

Reinaldo Azevedo

26/05/2019 19h03

Goebbels discursa no primeiro "protesto a favor" do governo nazista, no dia 10 de fevereiro de 1933, 11 dias depois de Hitler chegar ao poder. Ali ele estabelece o roteiro do "fascismo cultural", na sua vertente nazista. Parte do seu discurso foi ouvida nas ruas neste domingo, no Brasil, 86 anos depois. Fascismo cultural?

Ainda que se tenha feito um esforço, nos últimos dias, para maquiar a pauta dos protestos a favor do governo, a verdade é que a gritaria e as palavras de ordem estavam lá, com acentos diversos a depender do lugar: em Brasília, os alvos principais foram o Supremo Tribunal Federal e o próprio Congresso; no Rio, carregou-se na crítica ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que, vejam só!, é uma figura-chave para que a reforma da Previdência avance.

Em São Paulo, no Rio ou em Brasília, também a imprensa entrou na mira dos valentes. Faz sentido: Poder Judiciário, Poder Legislativo e imprensa são os inimigos desses que se querem inauguradores de uma nova era, que advogam em favor da "nova política". Ou por outra: a cara dessa "nova política" não se distingue da velha cantilena contra a ordem democrática. O que há exatamente de novo em defender que um líder, um condutor, um guia, um "duce" ou um "führer" se imponham sobre as instituições, aniquilando seus adversários?

Oh, não! Não estou dizendo que os que estavam nas ruas eram fascistas. Afinal, o fascismo supõe uma organização do Estado e um sistema econômico que não estão dados. Trato aqui da esfera de valores. Os inimigos listados pelos bolsonaristas neste domingo eram, vejam que coisa, rigorosamente os mesmos, com uma exceção, listados por Goebbels no primeiro protesto a favor do nazismo organizado em Berlim, no dia 10 de fevereiro de 1933. Hitler chegara ao poder havia 11 dias. A lista do bruto? Ora, os comunistas, a imprensa, as velhas estruturas ("a velha política") e os judeus. No bolsonarismo, os judeus estão fora — nos congêneres que compõem a internacional da extrema-direita que se tenta criar, há um pronunciado antissemitismo. O Brasil vive uma particularidade nesse caso, de que tratarei outra hora.

"Oh, não me venha com esse papo de nazismo…" Eu poderia responder: "Não me venha com esse papo de comunismo". Sim, meus caros, eu rejeitarei simular um confronto que é, com efeito, do século passado. Mas me digam: se a punição à homofobia ou a simples defesa da diversidade (publicidade do Banco do Brasil), por exemplo, são, como quer o bolsonarismo, expressão maquiada do comunismo, por que as tentativas de construir um líder que se imponha acima das instituições desmerece a associação com o nazifascismo? Não seria, pois, legítimo afirmar que o combate ao dito "marxismo cultural" está sendo levado a efeito por arautos do "fascismo cultural"?

Sim, a dicotomia é falsa, eu sei. Afinal, chamar a defesa da diversidade de "marxismo cultural" corresponde a ignorar que o marxismo, com ou sem o adjetivo "cultural", pode ser acusado de tudo, menos de plural. Em contrapartida, a matriz da intolerância fascista está no poder e estava nas ruas neste domingo.

E o presidente Bolsonaro, como se viu, elogiou as manifestações. Na prática, continua a buscar um lugar que o coloque acima dos limites que a Constituição impõe ao cargo. Aderiu, portanto, à pauta do "fascismo cultural". E vai perder. Já está perdendo.

O vídeo com o discurso de Goebbels está aqui, com legenda em inglês.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.