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Reinaldo Azevedo

O pior: Bolsonaro apela a ato para tentar intimidar Congresso e Judiciário

Reinaldo Azevedo

27/05/2019 05h25

FSó uma pessoa poderia tornar os "protestos a favor" do governo ainda piores do que foram: Jair Bolsonaro, o presidente da República. E ele não se fez de rogado. Em uma, por assim dizer, "entrevista" à Rede Record, falou pelos cotovelos. Não que houvesse muita dúvida sobre o caráter de encomenda do protesto — já que foi convocado pelo próprio —, mas lhe coube, no arremate da patuscada, expor o caráter da pantomima. Afirmou:
"Foi uma manifestação espontânea. É um povo ordeiro que veio cobrar, pedir aos Poderes Executivo, Legislativo: trabalhem. Coloquem em pauta matérias que interessam para o futuro do nosso Brasil".

Observem que o homem que é chefe do Poder Executivo; que comanda um país em que faltam médicos em 42% das cidades que contavam com profissionais cubanos, está cobrando que os outros dois Poderes trabalhem. Nota: estamos falando de 2.853 municípios.

O presidente que, em cinco meses de governo, já editou dois decretos sobre armas — o segundo deles liberava a compra de fuzis para civis, além de pistolas 9 mm e .40, proposta que sobreviveu no texto aloprado — e assiste inerme à paralisia do programa "Minha Casa, Minha Vida", por exemplo, está cobrando que Legislativo e Judiciário trabalhem.

O chefe do Exercutivo que se tornou notório mais pelas confusões que provoca no Twitter do que por palavras e atos que possam unir os brasileiros; que nunca disse com a clareza necessária que a proposta de reforma da Previdência é do governo, bem…, esse líder aponta o dedo acusador contra os dois outros Poderes no dia em que ambos foram demonizados à vontade por seus radicais.

É um despropósito. E foi além.

Rodrigo Maia, presidente da Câmara (DEM-RJ) — satanizado pelas milícias virtuais bolsonaristas com a ajuda de Carlos Bolsonaro, o incendiário dos três filhos polêmicos — foi citado nominalmente pelo presidente na entrevista. Também Dias Toffoli, que comanda o STF, outro dos alvos preferenciais das manifestações fascistoides, foi evocado na entrevista. Disse o grande líder:
"Vou voltar a conversar com o Rodrigo Maia nesta semana novamente, com o Davi Alcolumbre, o Dias Toffoli, para gente ter um pacto entre nós para colocar o Brasil no destino que toda a população quer. Temos tudo para sermos uma grande nação. Falta nós, aqui em Brasília, conversarmos um pouco mais e discutir o que temos que votar em especial."

De novo, a retórica balofa. Por que Bolsonaro não diz, então, o que pretende? Essa conversa de "colocar o Brasil no destino que toda a população quer" é conversa para boi dormir. Ao apelar aos respectivos nomes dos presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo, fica a sugestão de que os três estão resistindo a fazer a coisa certa em defesa do Brasil. E, claro!, só o chefe do Poder Executivo — o próprio Bolsonaro — estaria dedicado ao bem do Brasil.

Vamos ver. Os números não são exatos, mas em torno disto: um terço do Congresso é oposição, e não há trânsito possível com o bolsonarismo; um terço, com restrições aqui e ali, é governista, e o outro terço transita entre esses extremos. Constitui, de fato, e não é de hoje, um centro ampliado, com franjas que escapam ora mais à direita, ora mais à esquerda. Se queria alguma coisa de Bolsonaro, nunca disse porque também conversa não houve. Em vez de buscar atrair a turma, em nome da pax política, o presidente disse a seguinte maravilha:
"Centrão virou um palavrão. A melhor maneira de mostrar que não tem motivo de satanizar esse nome é ajudar a votar aquilo que interessa para o Brasil. Agindo dessa maneira, haverá reconhecimento por parte da população. Acredito que uma parte considerável dos parlamentares não quer ser rotulada de Centrão, ao grupo clientelista, ou aquele grupo que quer negociar alguma coisa para votar."

E o que é que interessa para o Brasil? Ora, aquilo que Bolsonaro acha que interessa para o Brasil. Se um decreto legislativo derrubasse o seu decreto ilegal sobre porte de armas, ele certamente diria que se trata de um voto contra… o país. A fala acima é típica de quem quer ter base de apoio, mas não pretende fazer esforço nenhum para isso.

E aí a conversa avançou para o terreno da pura e simples maluquice. Indagado se foi alvo da abordagem para a troca de cargos por votos, ele afirmou que recebeu apenas dois pedidos… Há 594 membros no Parlamento brasileiro: 513 deputados e 81 senadores. E passou, em seguida, um atestado de bom comportamento ao Centrão:
"Essa forma de fazer política existia no passado. Pela primeira vez, estamos vendo no Brasil um presidente que, depois de eleito, está tentando, de todas as formas, fazer cumprir o que falou durante a campanha. Os parlamentares precisam encontrar uma maneira de se desvincular do Centrão, dessa fama pejorativa de querer negociar tudo. Comigo, os parlamentares do Centrão nunca me procuraram para discutir partilha de ministérios, bancos, estatais etc."

Não é notável? Ele acusa o "Centrão", então, de querer negociar tudo, mas diz jamais ter sido procurado em busca de cargos. Então quem foi? A propósito: digamos que parlamentares estivessem tentando indicar pessoas para cargos federais. Entendem-se que não estão conseguindo. Em lugar das indicações ditas "políticas", pergunta-se: Bolsonaro é um exemplo de rigor técnico na administração? Só pode ser brincadeira.

Ademais, convém que Bolsonaro pare de roubar o bordão de Lula: "Nunca antes na história deste país…" Sempre censurei o petista por isso. Mas convenham: ele começou com essa história depois de, com efeito, ter alguma coisa a mostrar. O atual presidente, por enquanto, é só uma soma de crises e de despropósitos.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.