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Reinaldo Azevedo

Entenda por que MP barrada por Alcolumbre rasgaria o Código Florestal

Reinaldo Azevedo

30/05/2019 08h50

Davi Alcomumbre, presidente do Senado: ele impede uma votação de afogadilho de uma MP estropiada, que rasgaria parte do Código Florestal

Agiu corretamente o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ao decidir não votar a MP 867, que iria estropiar o Código Florestal. Ela vai caducar, em bora hora, no dia 3 próximo. Na área do meio ambiente, os xiitas do antiambientalismo estão brincando com fogo. Ainda acabarão incendiando as divisas do agronegócio brasileiro.

A MP 867, baixada pelo presidente Michel Temer, não adulterava o excelente Novo Código Florestal, aprovado em 2012. Apenas estendia em um ano o prazo para que proprietários rurais fizessem a regularização ambiental. Procurem nos arquivos do Google o quanto escrevi a respeito. Dei um duro combate ao que considerava, em 2012, o xiismo ambientalista em prejuízo da produção. E, claro!, já havia o outro extremo: os que queriam confundir madeireiro ilegal, por exemplo, com produtor rural.

Acabou vencendo, o que não é muito comum entre nós, o bom senso. Temos um texto que permite ao país ser a potência agropecuária que é, preservando, ao mesmo tempo, o meio ambiente, o que facilita a conquista de mercados.

O Código Florestal estabeleceu no Artigo 12 os percentuais mínimos das Áreas de Reserva Legal (RL) das propriedades, a depender da região. Há ainda as Áreas de Preservação Permanente e as de uso restrito.

Notem. O código anterior era de 1965 e estabelecia uma área de preservação de 80% para a Amazônia e de 20% para as demais regiões do país. Quem seguiu essas regras ficou livre de qualquer obrigação (Art. 68 do Novo Código)

ÁREAS MÍNIMAS DE CONSERVAÇÃO
Os que desrespeitaram a lei então vigente (Código de 1965) têm de se enquadrar nos percentuais de Reserva Legal do Novo Código, a saber (Art. 12):
I – localizado na Amazônia Legal:
a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas;
b) 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel situado em área de cerrado;
c) 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de campos gerais;
II – localizado nas demais regiões do País: 20% (vinte por cento).

Se a área preservada de uma propriedade — com desmatamento superior ao que permitia a lei de 1965 — está abaixo do mínimo estabelecido pelo Novo Código, pode-se operar a compensação ambiental, mantendo Reserva Legal (RL) correspondente mesmo que em outras propriedades. À época, os críticos chamaram o procedimento, a meu ver incorretamente, de "anistia". Não era, uma vez que a compensação era obrigatória. Ou viria a multa. O Supremo referendou a decisão. Havia uma data-limite para a regularização: 31 de dezembro de 2018.

O que fez a MP de Temer? Apenas estendeu o prazo para 31 de dezembro de 2019. Mas aí começou a folia. A Medida Provisória recebeu uma penca de emendas que simplesmente estropiavam o Novo Código Florestal — HOJE UM DOS ATIVOS DE QUE DISPÕE O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO, ATÉ MAIS DO QUE O AMBIENTALISMO. ELE SERVE PARA CERTIFICAR A PRODUÇÃO BRASILEIRA NO MUNDO.

AS LAMBANÇAS
A Câmara fez uma lambança dos diabos. Enfiou na MP um dispositivo que desobriga os proprietários que desmataram acima da lei de promover qualquer compensação ambiental até a data de definição dos biomas: no caso do cerrado, o início da proteção passaria a ser 1989; no caso dos pampas e do Pantanal, 2000. Vale dizer: ainda que os proprietários dessas áreas tivessem desmatado a valer, acima do que permitia o código anterior, a obrigação de reflorestamento teria de ter essas datas como referência. Até ali, valeria tudo.

Informa a Folha:
Segundo o Observatório do Código Florestal, a aprovação da MP pode significar que 5 milhões de hectares de vegetação nativa (duas vezes o estado de Sergipe) deixem de ser recompostos, compensados ou regenerados.

Nesse caso, estaria configurada, sim, uma anistia vergonhosa.

PREJUÍZO PARA OS NEGÓCIOS
Leio no Globo:
"A insegurança jurídica traz problemas para exportações do agronegócio , diz Luiz Cornacchioni, diretor-executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e representante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Segundo ele, passa um sinal para o mercado internacional de que as regras do jogo podem mudar a qualquer momento. Também prejudica quem se adequou à lei."

Cornacchioni disse à Folha que esperava que o Senado rejeitasse o texto. E acrescentou: "Está mais do que na hora de implementar, não alterar o Código Florestal". Nem foi preciso. Alcolumbre não pôs em votação.

É o agronegócio responsável falando.

Achando pouco, a MP estropiada simplesmente eliminava o prazo para a regularização ambiental. E o proprietário a tanto só estaria obrigado se recebesse uma notificação. Essa estrovenga foi aprovada na Câmara por 243 votos a 19.

DE VOLTA AO SENADO
Sem tempo para analisar todas as implicações do texto — e ciente do vespeiro em que poderia meter a mão —, Alcolumbre fez o certo e se negou a votar o texto. Disse: "Independente de a votação na Câmara se encerrar no dia de hoje, este presidente cumprirá o acordo construído com vários líderes partidários. Não faremos a votação da referida medida provisória".

Mas, como sabemos, a gestão Bolsonaro e o meio ambiente são como floresta e motosserra, não é? "O governo tem compromisso de editar uma medida provisória ou um projeto de lei com urgência, respeitando o texto que saiu do plenário da Câmara, para que esta matéria possa ser deliberada até o início do recesso legislativo" — 17 de julho.

Vale dizer: eles não se conformaram.

DESORDEM JURÍDICA
O que pode vir por aí não é insegurança jurídica, mas desordem jurídica. Garantem a proteção ao meio ambiente, de maneira explícita, os Artigo 5º, 23, 170 e 225 da Constituição. Mais: quando os inconformados com o que chamavam de "anistia" recorreram ao Supremo, lá no passado, o tribunal assegurou a legalidade do Código Florestal.  "Ah, mas é possível mudar uma lei, não é?" Sim. A questão é saber se não se está agredindo um valor constitucionalmente protegido.

Há mais: e quem tomou as providências para regularizar a sua situação, segundo o Código de 2012, referendado pelo Supremo? Deve recorrer à Justiça para buscar compensação?

O que se aprovou na Câmara é uma monstruosidade ambiental, tendente a prejudicar não apenas o meio ambiente, mas também os negócios.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.