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Reinaldo Azevedo

PIBINHO 2: Liberação do FGTS, como sugere Guedes, nem faz voar a galinha...

Reinaldo Azevedo

31/05/2019 08h05

A verdade é que o ânimo dos investidores e do empresariado arrefeceu. Sei lá o que imaginavam que Bolsonaro iria fazer. Ou que poderes milagrosos vislumbravam em Paulo Guedes. O fato é que estamos tratando de pessoas, não de mitos.

Ao falar do pibinho nesta quinta, o ministro da economia afirmou que precisamos de medidas estruturais e coisa e tal. E disse que não adianta recorrer a paliativos e produzir o chamado "voo da galinha", numa referência a crescimentos de curta duração, que não se sustentam. Em seguida, foi ele mesmo a acenar com a liberação de parte do FGTS para injetar algum dinheiro na economia. Isso me parece ser coisa de… voo de galinha. Mas deixou claro: se acontecer, só depois da aprovação da reforma da Previdência.

Poucos prestarão atenção ao que há de desorientação nessa afirmação. Vamos lá. Se é possível liberar uma parte do FGTS para animar um pouco a economia sem que se estropie o fundo, então que se faça já, e os pobres, os desempregados, os desalentados e afins terão algum refresco. O ministro sabe que não se criará uma bolha formidável de crescimento a ponto de alguém dizer: "Ah, então não precisamos mais de reforma da Previdência". Ao estabelecer a condicionante para a medida — medida heterodoxa para seus padrões —, faz uma espécie de chantagem. Mas uma chantagem contra ninguém! Se a medida não é segura para o fundo, com ou sem reforma, então não deve ser adotada.

E que se note: ainda que se venha a fazer tal escolha — então que seja já, não depois —, estamos falando de pouco dinheiro caso não se opte por nenhuma loucura. Transcrevo trecho da excelente coluna de Vinícius Torres Freire na Folha de hoje sobre o assunto:
"Depois da notícia do Pibículo, ouvia-se gente a dizer que os saques poderiam ser de 30% das contas ativas, o que renderia uns R$ 120 bilhões. É delírio ou rolo. O patrimônio líquido do FGTS era de R$ 104 bilhões em setembro de 2018 (segundo o último balancete trimestral disponível).
Patrimônio líquido é a diferença entre haveres (investimentos, aplicações financeiras, caixa) e obrigações (os depósitos nas contas dos trabalhadores, no grosso). Mas o Fundo não pode torrar essa "sobra" e, muito importante, do seu caixa sai dinheiro para financiar casas, saneamento e transporte (neste ano, R$ 78,6 bilhões).
O FGTS tem muito investimento de médio e longo prazo; não dá para mexer aí. Se torrar aplicações financeiras, pode haver descasamento de entradas e saídas de dinheiro (crise de liquidez); com um saque grande, a receita também vai cair.
Além do mais, um saque maciço vai limitar o dinheiro disponível para financiamentos a custo baratinho de obras de interesse popular. Por falar nisso, o governo já pensava em usar mais dinheiro do FGTS a fim de pagar os subsídios do Minha Casa Minha Vida, programa à míngua porque o governo está no osso. Por fim, a receita líquida do FGTS em 2018 foi 60% menor do que em 2014 (em termos reais).
Quem entende das finanças do FGTS diz que é difícil tirar mais do que R$ 20 bilhões dessa cartola. No Pis/Pasep restariam uns R$ 20 bilhões —o povo esqueceu de buscar, não sabe o que é ou já se foi desta vida.
"

Vale dizer: é pouco dinheiro para criar até mesmo um voo de galinha, ministro Paulo Guedes! No máximo, dá um pequeno alívio. E, se pode ser feito, que se faça já, não depois. Os que vierem a ser beneficiados por tal medida não votam a reforma da Previdência nem vão pressionar quem vota. Da forma como se disse, ficou parecendo algo assim: "Primeiro acabem com a farra; depois, dou o presente". E, se não pode ser feito, então não pode em tempo nenhum.

E, de resto, registre-se para os senhores navegantes, empresários em particular: mesmo aprovada a reforma da Previdência — e ainda que venha pelo topo —, as coisas continuarão bem complicadas. E assim permanecerão se o governo não descobrir o caminho da política. O pibinho que aí está, projetando crescimento de 0,5% neste ano, com risco de um segundo trimestre negativo, tem, sim, um tanto de herança de desacertos passados. Mas ele já reflete o desalento presente.

Como costuma lembrar Delfim Netto, milagre é efeito sem causa. Apostou-se no milagre em 2018. Até agora, não se descobriu a causa.

PS: Ainda voltarei ao tema. E vou explicar para vocês por que a reforma da Previdência poderia ter sido aprovada em março.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.