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Reinaldo Azevedo

Maia: reforma da Previdência é obrigação, não agenda. E o Pacto de Itararé

Reinaldo Azevedo

03/06/2019 14h19

Rodrigo Maia: país ainda não tem uma agenda. Reforma da Previdência é só imposição da racionalidade

Vai ao ponto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) quando diz, em entrevista ao Globo:
"A Previdência não é uma agenda, é uma reforma racional e necessária para equilibrar as contas públicas. Ela não resolve qualidade na educação, médico no hospital, produtividade no setor público ou privado, crescimento econômico ou desemprego. O que precisamos é uma agenda para o Brasil. Previdência é uma necessidade. Agenda para o Brasil a gente ainda não viu formatada de forma ampla, completa, por esse governo."

Eis aí.

Isso resume as dificuldades enfrentadas pelo governo Bolsonaro. É claro que há uma leitura alternativa a esta de Maia, que é feita pelas esquerdas. Segundo esse outro pensamento, a reforma da Previdência é parte de uma agenda que elas dizem ser "conservadora", que estaria interessada em pôr fim a conquistas históricas dos trabalhadores etc.

Convenham: é uma leitura ideológica, que encontra pouco amparo nos fatos porque a Previdência está aí, a gerar um buraco nas contas públicas que é impagável. Sim, elas têm o direito de ter tal convicção, mas convenhamos: não têm número para obstar a mudança. Então onde está a dificuldade?

O bolsonarismo vem com o seu conto da Carochinha, segundo o qual o presidente Bolsonaro está numa cruzada para mudar os hábitos e costumes da política brasileira, mas estaria esbarrando em forças terríveis, que tentariam impedi-lo de governar. Na entrevista concedida à "Veja", nota-se que esses fantasmas parecem ainda povoar as suas noites.

AS CERTEZAS DE OFÉLIA
Mas então voltemos à resposta de Maia. Exceção feita à reforma da Previdência — que está, sim, dentro do cronograma; é mentira que esteja sendo sabotada —, que propostas têm o governo para a educação, para a saúde, para a produtividade do setor público e do setor privado? A resposta é uma só: não tem proposta nenhuma! Não sei se caminhamos, como diz o deputado, para o colapso social, mas uma coisa é certa: não estamos indo para um bom lugar.

E, por enquanto, continuamos presos ao samba de uma nota só que se chama "reforma da Previdência". E, aqui, cabe fazer algumas considerações.

Se o governo tinha mesmo tanta pressa na reforma, e seria correto que tivesse, o texto oriundo do governo Michel Temer poderia ter sido votado em março. "Ah, seria uma economia de uns R$ 700 bilhões, R$ 750 bilhões…" Ora, é o que se vai acabar economizando desta feita, com uns R$ 50 bilhões a mais ou a menos…

Mas não! A vitória eleitoral os deixou com a certeza da personagem Ofélia, a mulher de Fernandinho, aquela que só abria a boca quando tinha certeza. A divisa passou a ser "conosco, ninguém podemos"…

Sim, Paulo Guedes entende a necessidade da reforma e coisa e tal. Mas ele não entende as vicissitudes da política. É, em regra, mais sofisticado do que o olavismo-bolsonarismo, mas não necessariamente um sujeito reverente à prática democrática.

Convenham: a agenda do doutor e do seu entorno nunca levou em consideração as dificuldades da política, não é mesmo? Quantas vezes ele próprio disse que aprovar a reforma era mel da sopa porque o governo buscaria o apoio das bancadas temáticas e dos governadores, aos quais se prometeram recursos oriundos da cessão onerosa do pré-sal e de uma descentralização do Orçamento que era conversa para insanos? Essa descentalização supunha, entre outras coisas, pôr fim às destinações mínimas à Educação e à Saúde.

Notem que não faço desses percentuais mínimos a palavra de Deus na Terra… Ocorre que alterar esses dispositivos é muito mais difícil do que aprovar a reforma da Previdência. Na verdade, Guedes também apostou que era possível avançar sobre o Parlamento na base do abafa. O ministro não gosta da política mais do que o olavismo-bolsanarismo. Num dado momento, percebeu que a vaca iria para o brejo e resolveu mudar o rumo da prosa.

Não fosse, pois, o esforço dos valentes para posar de refundadores da República, contra a tal "velha política", e talvez a reforma da Previdência já estivesse aprovada. Teria sido um bem para o país. E, a esta altura, já estaríamos com a certeza de que, sozinha, ela não resolve nada. Só ajuda a manter a casa em pé. Mas a despensa continuaria vazia.

O PACTO DE ITARARÉ
Na entrevista ao Globo, Rodrigo Maia também tratou do que chamo de "Pacto de Itararé", aquele que foi sem nunca ter sido. Afirmou:
"Teve aí uma informação mal colocada. O ministro (Dias) Toffoli fez uma proposta de um pacto, não me lembro dos termos exatos, mas era mais de princípios, o governo veio com uma contraproposta mais política, mais ideológica, nós vamos estudar porque eu não posso assinar algo que eu não tenha apoio majoritário. Acho que a assinatura de um pacto de princípios entre os três poderes pode ser uma coisa interessante. (…) Já tivemos dois pactos republicanos. Tem algumas agendas que dá pra você pactuar princípios em relação a elas. Acho que o Onyx (Lorenzoni) avançou na informação sem uma construção política amarrada. Ele entregou um documento, ninguém leu, e ficou parecendo para a sociedade e a imprensa que a gente fechou aquele pacto em cima daquele texto. Zero de verdade nisso."

Portanto, caros leitores, como aqui se disse já algumas vezes, essa conversa de "pacto" não passa de um grande papo-furado, de uma conversa vazia, que não vai levar a lugar nenhum.

Especialmente quando se tenta amarrar o Parlamento e o Supremo a uma agenda de depredadores da ordem democrática, que saem às ruas para vituperar contra os Poderes Legislativo e Judiciário, acusando-os de sabotar o Executivo e a agenda do presidente da República, que, por sua vez, não tem agenda nenhuma, como fica a cada dia mais claro.

Que a reforma da Previdência seja aprovada logo! Só para que se perceba que, no dia seguinte, o país estará igual. Se o governo continuar a cometer os mesmos erros, continuará a obter os mesmos resultados.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.