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Reinaldo Azevedo

A cadeirinha, o fim da multa e a legislação porca: o parágrafo nega o caput

Reinaldo Azevedo

04/06/2019 22h58

Escrevi um post às 16h09 e apontei uma coisa boa no projeto de Bolsonaro que muda o Código Nacional de Trânsito (Lei 9.503): a obrigatoriedade do uso de cadeirinha para crianças passa a integrar a lei, já que o Código, na sua forma atual, exige apenas que sejam transportadas no banco de trás. A obrigatoriedade da cadeirinha, que agora passaria a integrar a lei (é o lado positivo), está apenas na Resolução nº 277 do Conselho Nacional de Trânsito. E os motoristas que a desobedecerem pagam a multa prevista no Artigo 168 do Código e cometem uma infração considerada gravíssima. Mas não dei destaque a um dado importante que vem escondido no texto legal.

O que faz o projeto de Bolsonaro? Põe, sim, na lei a obrigatoriedade da cadeirinha, mas não prevê multa para quem desrespeitar a determinação: haverá apenas uma advertência. Atenção: se o projeto passa como está, crianças poderão ser transportadas no banco da frente. E haverá só uma advertência.

Alterei aquele post para fazer essa observação.

Sem contar que estamos falando de uma proposta redigida mal e porcamente. Acompanhem. Hoje, o Artigo 64 do Código Nacional de Trânsito é assim:
Art. 64. As crianças com idade inferior a dez anos devem ser transportadas nos bancos traseiros, salvo exceções regulamentadas pelo CONTRAN.

Segundo o projeto de Bolsonaro, ficaria assim:
"Art. 64. Exceto na hipótese de exceção estabelecida pelo CONTRAN, as crianças:
I – com idade de até sete anos e meio serão transportadas nos bancos traseiros e utilizarão dispositivos de retenção adaptados ao peso e à idade; e
II – com idade superior a sete anos e meio e inferior a dez anos serão transportadas nos bancos traseiros e utilizarão cinto de segurança.
Parágrafo único. O CONTRAN disciplinará o uso e especificações técnicas dos dispositivos de retenção a que se refere o inciso I do caput."

E foi isso que chamei de positivo no primeiro post que escrevi. A obrigatoriedade da cadeirinha, com multa para quem não usá-la, está, reitero na Resolução 277 do Conselho Nacional de Trânsito. E a própria lei autoriza o Contran a aplicá-la.

Mas aí o projeto de Bolsonaro traz um truque.

O Artigo 168 da Lei 9.503 hoje é assim:
Art. 168. Transportar crianças em veículo automotor sem observância das normas de segurança especiais estabelecidas neste Código:
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa;

Na redação do projeto, esse caput é mantido e a ele se acrescenta um Parágrafo Único:
Parágrafo único.  A violação do disposto no art. 64 [O DA CADEIRINHA] será punida apenas com advertência por escrito.

Perceberam? O caput prevê a multa — aquele pontilhado que se vê na imagem significa que se conserva o texto original —, e o Parágrafo Único a nega.

Há um segundo aspecto positivo: diminuir o número de instâncias para quem recorrer da aplicação da pena por infração grave, como dirigir alcoolizado. Todo o resto, já disse, não presta: elevar de 20 para 40 o número de pontos que acarreta a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação; dobrar o prazo de validade da habilitação de cinco para 10 anos; aumentar a validade da habilitação para idoso de três para cinco anos; revogação da exigência de exame toxicológico para motoristas profissionais; fim da multa para condutores que não liguem o farol baixo, segundo as especificações da lei.

Encerro
Insisto no ponto: a maluquice é de tal ordem que, se o projeto de lei fosse aprovado como está, teríamos um artigo do Código Nacional de Trânsito em que o Parágrafo Único negaria o caput.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.