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Reinaldo Azevedo

Caso da cadeirinha é evidência de que Bolsonaro é um hooligan da política

Reinaldo Azevedo

05/06/2019 16h19

Jair Bolsonaro não é um presidente da República. É um hooligan da política, um arruaceiro, que só chegou tão longe porque gente como Sérgio Moro e um aparato como a Lava Jato se encarregaram se lhe asfaltar o caminho. Com o apoio acrítico de parte considerável da imprensa. E a barbárie vai se instalando.

Sobre o seu projeto de lei para novas regras para a Carteira Nacional de Habilitação, afirmou:
"Fui lá na Câmara dos Deputados, falei com o presidente Rodrigo Maia, o nosso aliado em vários projetos. Apresentamos um projeto para fazer com que a carteira nacional de habilitação passe sua validade de cinco para dez anos. Que o caminhoneiros que transporta aqui o que o Centro-Oeste produz não perca sua carteira com 20 pontos e sim com 40 pontos. Por mim eu botaria 60, porque afinal de contas a indústria da multa vai deixar de existir no Brasil"

Bem, se é assim, se ele acredita mesmo no que diz, por que, então, haver pontuação? Que se deixa a coisa solta, ora. Afinal, o trânsito e as estradas no Brasil matam pouca gente, não é mesmo?

É um despropósito.

E o que dizer sobre extinguir a multa para pais que transportam crianças sem a cadeirinha?

Ele esboçou o seguinte pensamento, que não faz sentido em si, mas a gente pode presumir o que quis dizer:
"Cadeirinha do bebê: todo mundo que é pai e mãe é responsável. Continua valendo a infração para a pontuação. Apenas tirei o dinheiro. Vamos ver se o pessoal vai multar ou é a multa pela multa?"

Ele quis dizer: "Vamos ver se o pessoal vai apontar a infração mesmo sem a multa".

De resto, quem disse que todo mundo que é pai e mãe é responsável? É uma frase estúpida. Multa e punição existem justamente para os que não são.

Informa O Globo:
"Desde que foi determinada em 2008 a obrigatoriedade da cadeirinha adaptada para o transporte de crianças com até sete anos e meio de idade, o número de mortes na faixa etária de 0 a 7 anos no trânsito caiu no país. O total de indenizações por morte pagas pelo DPVAT, por exemplo, registrou queda de 60%, de 1.703 casos, em 2008, para 680, no ano passado, segundo dados da administradora do seguro. O projeto do governo quer retirar agora a multa para quem descumprir a norma."

Vale dizer; Bolsonaro está alterando para pior uma legislação que está produzindo efeitos positivos.

Em todo caso, a realidade ainda é dramática. Informa o Estadão:
Das crianças que morrem hoje no trânsito brasileiro, 40% estavam na condição de ocupantes de veículos, sendo hoje a principal forma de óbito desse público no País. Atropelamentos vêm na segunda colocação, representando 32% do total de mortes.
Números de 2017 do Datasus, plataforma de dados do Ministério da Saúde, mostram que do total de 697 crianças até nove anos que morreram por acidentes de trânsito no Brasil, 279 estavam dentro de veículos (automóvel, triciclo motorizado, caminhonete, veículo de transporte pesado e ônibus).
Naquele ano, foram registrados 221 óbitos desse público por atropelamento (32%).
Como terceira principal razão, representando 18% das mortes de crianças, está a categoria "outros": veículos de tração animal como carroça, veículos de uso agrícola como trator e veículos não especificados por imprecisão da informação no momento de preenchimento dos dados
.

Venham cá: que presidente da República, dispondo dos dados acima, propõe o que Bolsonaro propôs? A menos que seja um infanticida, a resposta é esta: nenhum.

Ocorre que a imprensa fez em um dia o trabalho que seu governo não fez em cinco meses. Vocês acham mesmo que alguém se encarregou de proceder a uma pesquisa mínima antes de botar aquela porcaria no papel?

E notem que, no caso da queda de mortes, o percentual, de verdade, ainda é maior, uma vez que não leva em consideração aumento do número de veículos em 11 anos. A queda de 60% se dá em números absolutos.

Encerrando
E, sim, Bolsonaro foi além dos tais 60 pontos para os motoristas profissionais — caminhoneiros e condutores de ônibus, como destaca o G1:
"O projeto de lei do presidente Jair Bolsonaro sobre regras de trânsito prevê que motoristas profissionais possam fazer o curso de reciclagem que zera a pontuação ao atingirem 30 pontos em infrações. Como a proposta também aumenta de 20 para 40 o limite geral para suspensão da carteira, na prática, caminhoneiros e motoristas de ônibus que fizerem o curso poderão ter até 69 pontos em um ano."

Eis aí. O sujeito pode sair barbarizando. Fazendo os 30 pontos — ainda não os 40 da suspensão da carta —, pode fazer a tal "reciclagem". E tudo ficará zerado. E pode correr em busca de mais 39 ao longo do ano. Sem perder a carteira.

Espero que o Congresso tenha vergonha na cara e rejeite essa estrovenga. Ou será corresponsável pelo morticínio nas estradas e cidades. E isso inclui, por óbvio, a morte de crianças.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.