Se faltar dinheiro, culpa será do Planalto, não do Congresso ou da oposição
Onde quer que exista Parlamento livre — é o caso das democracias —, existe a necessidade da negociação. No começo do ano, os EUA, viveram o chamado "shutdown", com a paralisia de agências federais em razão da falta de recursos. A maioria democrata da Câmara não aceitava aprovar o Orçamento com a destinação pretendida por Donald Trump para o tal muro que ele quer construir na fronteira com o México. E foi preciso negociar.
Por aqui, numa situação muito mais difícil porque não falta apenas acordo político, falta também dinheiro, o governo quer meter tudo goela abaixo do Congresso. Outra particularidade: nos EUA, Trump não se entende com os opositores democratas; no Brasil, Bolsonaro não consegue estabelecer diálogo é com sua base de apoio — nem mesmo com seu partido, o estranho PSL.
Resumo da ópera: a sessão da Comissão Mista do Orçamento que discute a liberação extra de R$ 248 bilhões foi adiada para o dia 11.O projeto tem de ser aprovado até o dia 15. Ou o governo terá dificuldades para pagar o BPC (Benefício de Prestação Continuada) — o salário mínimo aos idosos carentes — ou financiar o Plano Safra.
Estabelece o Inciso III do Artigo 167 da Constituição:
"É vedada a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta"
Isso em linguagem de humanos quer dizer o seguinte: o governo não pode captar no mercado — emprestar — um valor superior àquele que é dedicado a investimento. A MENOS QUE OBTENHA AUTORIZAÇÃO DO CONGRESSO POR MAIORIA ABSOLUTA: AO MENOS METADE MAIS UM DO TOTAL DE DEPUTADOS E SENADORES.
Ocorre que o governo não vai conseguir, evidentemente, pagar as despesas correntes sem o crédito suplementar. E esse gasto será superior aos investimentos. Logo, precisa do Congresso. Quem tem de contar com o Parlamento faz o quê? Negocia. Até o troglodita do Trump sabe disso. Não em Banânia. Aqui, acredita-se que basta ir ao Congresso numa audiência, fazer um pouco de terrorismo, ofender as pessoas e ameaçar pegar o boné e ir embora. A crise econômica e de financiamento do Estado é gigantesca. Mas a crise política é maior.
Por que se adiou de novo a sessão da Comissão Mista do Orçamento que tem de autorizar um pedido suplementar de R$ 248 bilhões? Porque o governo não tem interlocução nem mesmo razoável por lá.
É verdade: a oposição interpõe embaraços ao governo, como fazem as oposições mundo afora. Nos EUA, os democratas não queriam dinheiro para o muro; no Brasil, as oposições pedem que parte desses recursos suplementares seja dirigida à Educação. São pressões legítimas lá e aqui. Fazem parte da vida democrática.
Infelizmente, no Brasil, o coquetel de autoritarismo brucutu do Executivo com o ódio à política, que se dissemina também na imprensa, faz com que o exercício regular do Poder Legislativo se confunda com pura e simples chantagem.
Sim, o governo tem de funcionar; é preciso transferir os recursos aos idosos; há que se financiar o Plano Safra… Mas nem por isso se deve dar ao Executivo um cheque em branco, ora bolas! Até porque ainda haverá muito tempo até que se possa produzir superávit, não é mesmo? A necessidade não pode servir de pretexto para uma virtual ditadura do Executivo em matéria orçamentária.
De resto, convém parar com a piada estúpida de que é a oposição que está impedindo que o debate prospere. Não tem número suficiente para isso. Se os partidos que compõem a base potencial do governo estivessem devidamente organizados, com uma articulação política digna desse nome, então as coisas avançariam. Mas não avançam. E o único responsável é o governo.
E por que é assim? Porque o Executivo pensa mais ou menos o seguinte: "Ah, vão deixar os velhinhos sem dinheiro? Arquem com as consequências. Não cedo a chantagens." Ocorre que não é chantagem. "É a política, estúpido!"
Quem está investindo no impasse é o Palácio do Planalto. Vituperar contra as oposições, nesse caso, corresponde a ignorar o óbvio.