Barroso e Fux deixaram de lado a Constituição; fizeram discurso ideológico
Houve ao menos dois discursos bem pouco edificantes no Supremo nas duas sessões que decidiram o destino das estatais: um de autoria de Roberto Barroso e outro de Luiz Fux. Antes, algumas observações.
O presidente do Supremo, Dias Toffoli, deu um jeitinho para unificar 11 votos díspares entre si e, no fim das contas, chegou-se a um consenso um tanto arranjado de que os 11 ministros do tribunal endossaram parte substancial da liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski, a saber: matrizes de estatais e controle de empresas de economia mista só podem ser vendidos com aval do Congresso e mediante licitação. É o que estabelecem, respectivamente, os Artigos 173 e 37 da Constituição.
Ah, sim: para Lewandowski, o mesmo vale para as subsidiárias dessas empresas. Nessa parte, oito ministros divergiram integralmente e um, Marco Aurélio, parcialmente. Só Edson Fachin o acompanhou. Assim, as subsidiárias podem ser vendidas. Uma nota: já vinham sendo. Quando Lewandowski concedeu aquela liminar em 2018, quis estabelecer parâmetros objetivos para as empresas-mãe e as de economia mista.
Entendo que o cumprimento estrito da Constituição deveria submeter ao Congresso também a venda das subsidiárias. É o que está na Carta. Mas vem de longe, lá de 1997, a jurisprudência que permite a sua venda, obedecendo apenas ao plano estratégico das próprias matrizes.
Os respectivos votos de Barroso e de Fux podem ser acusados de tudo, menos de ter a clareza que lhes emprestou Dias Toffoli, presidente da Corte, ao proclamar o resultado. Infelizmente, os dois ministros aproveitaram suas respectivas intervenções para fazer discursos de cunho político, o que é lastimável.
Afirmou, por exemplo, Barroso:
"Eu acho que, no fundo, nós estamos travando um debate político disfarçado de discussão jurídica, que é a definição de qual deve ser o papel do Estado e quem deve deliberar sobre este papel no Brasil atual. Eu acho que há uma decisão do Executivo. Eu acho que há uma legislação que autorize esse encaminhamento, e acho, e esse já é um debate político, que nós vamos ter de superar esse fetiche do Estado protagonista de tudo, e criar um ambiente com mais sociedade civil, mais livre iniciativa, mais movimento social, e menos Estado e menos governo no Brasil, salvo para as redes de proteção social a quem precisa e a prestação de serviços públicos de qualidade, mas esse é o debate ideológico subjacente".
Infelizmente, o ministro deixa claro que está pouco se lixando para o que diz a Constituições. Para ele, a porfia no Supremo era de natureza política. Logo, o voto que ele contestava, de Lewandowski, seria apenas o de alguém que mantém uma paixão fetichista pelo Estado. Entendia-se, até ali, que os ministros estavam deliberando sobre disposições da Constituição. Não para o valente Barroso. Como se percebe, ele estava num embate político-ideológico. Não é um ministro do STF, mas o dono de uma agenda que pretende impor a seus pares.
Essa conversa mole nada tem a ver com Constituição. Trata-se de pregação política. Que se candidate a deputado ou a Senador.
Fux também enfiou o pé na jaca da politização:
"Neste momento, [privatização] é mais importante que reformar a Previdência porque os valores reverterão mais celeremente para a União. O republicanismo hoje está voltado para a coisa pública, e é por esse amor à coisa pública que se deve autorizar essas alienações que reverterão em benefício para o país".
Ora, afirmar que essa consideração de Fux diz respeito apenas às empresas subsidiárias, conforme acabou definido Dias Toffoli, corresponde a ignorar o sentido das palavras. Ele está fazendo uma leitura política da realidade, não de natureza constitucional, e se refere, por óbvio, a todas as estatais. Até porque o dinheiro arrecadado com a venda de subsidiárias não é recolhido ao Tesouro, mas ao caixa das respectivas empresas-mãe.
Eu topo vender todas as estatais. Acho até que seria desejável. Dentro da lei. Não contra ela.