URSAL de Bolsonaro: A conversa sobre moeda comum só evidencia falta de rumo
Como?
Uma moeda única com a Argentina, com ambições de criar uma moeda latino-americana? Se fosse viável, não seria possível; se fosse possível, não seria viável. Paulo Guedes, então colunista da revista "Época", escreveu um artigo em 2010 defendendo a tese. Pode ter especulado alguma coisa com o presidente Jair Bolsonaro, que, sem saber direito do que falava seu ministro da Economia, achou a ideia bacana.
Já então Guedes achava que a moeda comum era uma forma de conter porra-louquices políticas. Botaria, sabe-se lá por quê, nos eixos o socialismo bolivariano e ofereceria uma saída econômica para Cuba…
Que gente curiosa! Qualquer destino é bom para quem não sabe aonde vai. Respondendo com rispidez à pergunta de uma jornalista argentina, Guedes mandou ver no ano passado:
"O Mercosul não é prioridade? Não, não é prioridade. Tá certo? É isso que você quer ouvir? Queria ouvir isso? Você tá vendo que tem um estilo que combina com o do presidente, né? Porque a gente fala a verdade, a gente não tá preocupado em te agradar".
A afirmação é de 28 de outubro, dia, creiam, em que Bolsonaro se elegeu presidente da República. Faz sete meses.
Há mais:
"O Mercosul é restrito demais para o que estamos pensando. O Mercosul, quando foi feito, foi totalmente ideológico. O Brasil ficou prisioneiro de alianças ideológicas e isso é ruim para a economia".
Ou ainda:
"Eu só vou comercializar com Argentina? Não. Eu só vou comercializar com Venezuela, Bolívia e Argentina? Não. Nós vamos negociar com o mundo".
E, ora vejam, agora passamos a falar de uma "moeda comum" com a Argentina.
O Tratado de Maastricht, que instituiu a União Europeia, é de 1993, mas a ideia de uma comunidade de países europeus é bem mais antiga: data de 1957. Ali estava a semente de uma outra reunião surgida no seio da UE, a Zona do Euro, com uma moeda comum. O Reino Unido, que não aderiu ao euro, resolveu cair fora também da UE, e a bagunça está dada.
E olhem que estamos falando de democracias estáveis e de países muito mais iguais entre si e, se me permitem, em si. A rigor, o Brasil não conseguiu ainda nem unificar, e não é mera retórica, os vários "brasis" que abriga. Uma das consequências é a insanidade tributária, sempre à espera de uma reforma.
Isso é conversa para boi dormir. E acho que é sintoma de quão improdutiva foi, na verdade, a conversa com a Argentina. Serviu mais ao proselitismo político — "evitar uma nova Venezuela" — do que a um entendimento efetivo.
A propósito: a união monetária com a Argentina deveria começar, então, pelo fortalecimento do Mercosul, de cujas restrições, até onde se sabe, o Brasil quer se livrar, não é isso?
Só não é a maior besteira do governo Bolsonaro porque isso, rigorosamente, não vai dar em nada. A ideia é movimentar o noticiário com "fake facts".
Sem contar que a "vibe" olavista-bolsonarista advoga justamente o contrário de uma comunhão internacional de qualquer natureza. Bolsonaro já ameaçou romper até com a ONU. Enroscou com o emblema do Mercosul no passaporte porque isso contribuiria para diluir a nossa identidade.
A única coisa de relevante que esse papo-furado nos informa é que o governo está mais perdido do que se imaginava até aqui.
E, por que não dizer, olhem o Bolsonaro aí querendo criar a sua própria URSAL.