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Reinaldo Azevedo

Venda de subsidiárias é não-notícia boba; Guedes não gostou é da relevante

Reinaldo Azevedo

07/06/2019 08h19

Paulo Guedes: às vezes, parece que ele se aborrece um pouco com o país de que ele é ministro só por ser como é… (foto:Fernando Frazão/Ag.Brasil)

Há outras considerações importantes a fazer sobre a decisão tomada pelo Supremo nesta quinta-feira. É um erro afirmar que a novidade — ou a notícia — está na possibilidade de estatais poderem vender subsidiárias sem a autorização do Congresso ou uma lei específica. Ora, já vinha acontecendo. Chamar isso de vitória do governo corresponde a ignorar os fatos e seu, digamos, espírito. Sim, a liminar concedida por Ricardo Lewandowski proibia a venda das estatais-mãe, do controle de empresas de economia mista e também de suas subsidiárias. Com base nessa liminar, Edson Fachin concedeu uma outra suspendendo a privatização da TAG, uma das subsidiárias da Petrobras. Mas essa era uma questão literalmente subsidiária. O governo perdeu feio naquilo que mais interessava. E Paulo Guedes sabe disso. E está irritado.

Que se note: quando Alexandre de Moraes abriu a divergência, esta dizia respeito à autorização do Congresso para a venda das subsidiárias, o que, convenham, acabou escapando à própria imprensa durante a leitura do seu voto. A íntegra está aqui

E está claro lá no seu voto:
"(a) O inciso XIX do artigo 37 da Constituição Federal exige autorização legislativa específica para criação de Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista e Fundações (Empresas-mães), na forma de "lei formal específica", bem como para permitir a cessão ou alienação de seu controle acionário."

Ora, a Eletrobras vendeu subsidiárias em 2018, por exemplo. E sem autorização do Congresso. Não era para elas que os olhos do governo estavam voltados. A notícia não está aí. O que o Executivo ambicionava era outra coisa: a discricionariedade para vender as empresas-matrizes e o controle das empresas de economia mista. O que se queria era ter no cardápio "vendo se precisar" gigantes como Petrobras, Banco do Brasil, CEF, Correios… Ainda podem ser privatizadas. Quando as ações estiverem lá nos cornos, eu defenderia a venda, sim. Mas de acordo com o que dispõe a Constituição. Tem de passar pelo Congresso (Art. 173) e tem de ser por meio de licitação (Art. 37).

Ainda antes da posse de Bolsonaro, o ministro Paulo Guedes falava, por exemplo, em arrecadar R$ 1 trilhão com as privatizações. Parece que ele gosta dessa marca. Voltou a bater nessa tecla há menos de três meses. E, como de hábito para essa turma, fazia de conta que não existiam nem Constituição nem Congresso.

Ora, as Adins de que Lewandowski foi relator, convenham, não queriam impedir a privatização de subsidiárias sem a prévia autorização do Congresso, embora a sua liminar também contemplasse tal efeito. O objetivo, por óbvio, era impedir a venda das matrizes de empresas públicas ou de economia mista. Era essa possibilidade que se vislumbrava com aquele segundo trilhão mágico. Sim, Guedes até pode conseguir o que quer, mas terá de passar pelo Congresso.

La dá Argentina, Guedes lamentou que o Supremo estivesse tratando da questão… Parece expressar o entendimento de que o patrimônio público pode ser alienado ao arrepio dos demais Poderes, ficando na dependência apenas da vontade do Executivo. E não pode, não é mesmo?

Já imaginaram um governo que dispusesse como bem entendesse do patrimônio público? Poderia vender o que lhe desse na telha e, na hipótese virtuosa, pôr os recursos a serviço dos seus acertos. Mas também poderia usá-los para alimentar o seu erro, não é mesmo?

Guedes, ademais, precisa parar de recorrer a um certo "nós" para depreciar o país. Claro, o pronome o incluiria, mas fica evidente que ele se considera excluído do grupo das pessoas que erram. Afirmou ainda na Argentina:
"Nós, que somos possivelmente a segunda maior economia do mundo em recursos naturais, acabamos empobrecidos porque somos a centésima trigésima como ambiente de negócios. Nós temos uma preferência pela pobreza, temos uma hostilidade aos empregos, aos investimentos e a melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro."

Parece-me evidente que ele considera que seus adversários é que têm esses defeitos, não é mesmo? Eu já poderia fazer, com cinco meses de governo, um elenco de medidas adotadas por seu chefe que são ruins para o "ambiente de negócios".

Convém ainda que pare com proselitismo raso. Disse, por exemplo, sobre Mercosul:
"O Mercosul virou uma trava no crescimento e ameaçou a nossa democracia, como aconteceu com a Venezuela"

Seria inútil pedir que provasse como o Mercosul ameaçou a nossa democracia porque ele não teria o que apresentar.

Há alguns sinais de impaciência no ministro. Parece, às vezes, que ele se aborrece um pouco com a brasileirada e com o fato de que o país de que ele decidiu ser ministro da Economia é este, não outro.

Fosse outro, talvez o país não estivesse à sua altura, não é? Mas ele também poderia não estar à altura do país…

DEMOCRACIA
Ademais, estatais e controle de empresas mistas são patrimônio público. O presidente, claro!, é eleito diretamente para governar todos os brasileiros, mas chega ao cargo com bem menos de 50% dos votos do conjunto dos eleitores. Já o Congresso realmente representa a totalidade dos que votaram.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.