Topo

Reinaldo Azevedo

Perguntas que o ex-juiz só responde admitindo culpa ou enganando deputados

Reinaldo Azevedo

02/07/2019 21h56

Não acompanhei a íntegra da audiência do ministro Sergio Moro e por isso pergunto: alguém lhe perguntou se acredita que a sentença de um juiz deve ter conexão com a denúncia apresentada pelo Ministério Público? Se a resposta for "sim", como ele justifica que o MPF tenha denunciado Lula por ter supostamente recebido benefícios ilegais decorrentes de contratos da OAS com a Petrobras e como ele, ao condenar, simplesmente ignorou tal questão? E a ignorou por escrito. Nos embargos de declaração, escreveu:

"Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente".

Então nem juiz da causa ele era.

A denúncia, que é o que torna alguém réu se aceita — e, pois, submetido à decisão do juiz —, vira, assim, peça irrelevante no processo?

Mais: diálogos evidenciam que procuradores ignoravam as acusações feitas por Léo Pinheiro, segundo quem haveria uma conta geral de propina que teria beneficiado Lula, que, por sua vez, teria instruído o empresário a destruir provas. Como é que o órgão acusador conduziu os trabalhos sem chegar a nenhuma evidência disso? E olhem que tal órgão precisava desesperadamente de provas, já que não as tinha…

Alguém perguntou a Sergio Moro se ele não sentiu um pouquinho de vergonha de usar Léo Pinheiro como testemunha, uma vez que o empresário estava em processo de negociação de uma delação premiada — uma, aliás, já havido sido suspensa depois de praticamente fechada pelo MPF?

E por que um juiz razoável teria sentido vergonha? Porque, na condição de delator, Pinheiro teria de apresentar provas do que disse; na de testemunha, a fala poderia ser usada, e foi, como elemento de prova. Nos meios jurídicos, chama-se o testemunho de "a prostituta das provas". Quando tal testemunho beneficia, como era o caso, quem fazia a acusação, a prova prostituta é também oportunista.

Não por acaso, no dia seguinte à condenação de Lula, Deltan Dallagnol diz a seus pares que é preciso tomar cuidado com o "timing" da NOVA delação premiada de Léo Pinheiro para que não parecesse um prêmio. Vale dizer: Dallagnol reconhecia, afinal, que o testemunho do empreiteiro é que conduzira à decisão de Moro.

Na sua resposta, Moro disse haver uma porção de outras provas contra Lula… Alguém perguntou a ele se eram provas que endossavam a denúncia apresentada pelo MPF ou se, no caso, ele se referia a evidências de proximidade entre o PT e o governo Lula e diretores nomeados pela Petrobras? Ainda que tal proximidade estivesse dada, isso evidenciava que o tríplex era propina?

Mais: se o testemunho de Léo Pinheiro, que não estava até então nos autos, não era a razão da condenação, por que Moro escreveu, também na resposta a embargos de declaração, o que segue?

"A corrupção perfectibilizou-se com o abatimento do preço do apartamento e do custo da reforma da conta geral de propinas, não sendo necessário para tanto a transferência da titularidade formal do imóvel".

Logo, a suposta conta geral de propina, IGNORADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, QUE ERA O ÓRGÃO ACUSADOR, foi determinante na condenação.

As respostas do ex-juiz não param de pé.

As perguntas que vão acima ou seriam respondidas com admissão de culpa ou com papo-furado para engabelar os deputados. Refiro-me aos interessados na verdade. Havia quem estivesse ali apenas para promover guerrilha partidária.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.