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Reinaldo Azevedo

Moro, o “cruzado”, sai pela porta dos fundos. E a ameaça do Estado policial

Reinaldo Azevedo

03/07/2019 08h24

Trecho de reportagem do jornal britânico "The Independent"

Sergio Moro, ministro da Justiça, é um homem incapaz de dar respostas objetivas. É compreensível. Ele cresceu e se fez herói à margem do devido processo legal. Infelizmente, a quase totalidade da imprensa e muitas pessoas de boa-fé toleraram agressões escancaradas e contínuas à ordem legal em nome do bom propósito: combater a corrupção. As práticas ilegais começam a vir à luz. O prestígio do ex-juiz desmorona dentro e fora do país. E, para surpresa de ninguém, há a suspeita — que o agora ministro foi incapaz de descartar — de que o Estado policial está sendo mobilizado contra quem dá a notícia.

Escreve, por exemplo, Benjamin Fogel no jornal britânico "The Independent":
"A Lava Jato era celebrada internacionalmente, e Moro — o homem que mandou Lula para a prisão — era anunciado como um incorruptível cruzado contra a corrupção. Recentes revelações, no entanto, encabeçadas por 'The Intercept Brasil' e pelo jornalista Glenn Greenwald abalaram as bases da política brasileira, revelando uma investigação e um juiz que habitualmente se envolvia em práticas ilegais e antiéticas para obter resultados, muitas vezes por razões político-partidárias. A herança de desestabilização e de radicalização políticas da Lava Jato suscita a questão: a cura foi pior do que a doença?"

Este modesto "blogueiro", como gosta de me chamar o imodesto Deltan Dallagnol, é citado pelo jornal entre aqueles que têm colaborado para trazer à luz as evidências das impropriedades praticadas por Moro em associação com membros da força-tarefa.

A síntese parece apontar para o lugar que Moro está cavando para si mesmo na história. A audiência de que participou nesta terça, em sessão conjunta de três comissões na Câmara, foi um espetáculo de diversionismo barato, a que não faltou nem mesmo a teoria do espantalho. Começo por esta.

Incapaz de responder às evidências de práticas ilegais com as quais era confrontado, o que fez o ex-juiz?  Sugeriu que as revelações que vieram a público eram uma reação dos que querem o fim das investigações e evocou os nomes de Eduardo Cunha e Sérgio Cabral como pessoas que também poderiam ser beneficiadas por eventuais anulações de processos.

Nesse momento, ainda que não fosse a intenção — mas as intenções que fiquem por conta de Deus —, Moro chamava seus interlocutores de idiotas. Digamos, para ficar na hipótese fantasiosa do doutor, que tudo faça parte de um complô para livrar a cara de Lula, trazendo, como consequência adicional, benefícios ao ex-deputado e ex-governador do Rio. Cabem, então, as perguntas:
1: a resposta é a admissão de que recorreram as práticas ilegais?;
2: ele está usando os três políticos como escudos para esconder tais ilegalidades?

Mais grave: um site afinado com a Lava Jato afirma que a PF pediu ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), ainda sob o comando de Moro, que investigue se Glenn Greenwald, do site "The Intercept Brasil", recebeu depósitos atípicos em sua conta. Indagado a respeito, Moro tergiversou:
"A questão da investigação está com a Polícia Federal. Não há qualquer perseguição a jornalista e qualquer questionamento a esse respeito tem que ser feito à PF. Respeitamos a liberdade de imprensa".

Em nota, o conselho negou o procedimento.
"Não é função do Coaf realizar investigações, o que faz é encaminhar às autoridades competentes de investigação — geralmente Ministério Público e/ou Polícia Federal — informações sobre movimentações financeiras atípicas. O Coaf também esclarece que não tem conhecimento de nenhum pedido por parte da Polícia Federal".

A sessão terminou em bagunça. Um deputado do PSOL, Glauber Braga (RJ), chamou o ministro do "corrupto" e "ladrão". Trata-se, obviamente, de um desserviço ao esclarecimento. Instaurou-se a desordem, o Moro deixou o local protegido por deputados do PSL. O cruzado de uma nova ordem moral certamente não contava ter de se esgueirar tão cedo pela porta dos fundos para se esconder da própria obra.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.