Um criminoso confesso, à espera de delação, em defesa de Moro e Lava Jato
A carta que Léo Pinheiro envia à Folha tem um elemento inescapável que a torna inútil até como peça de proselitismo. Ele aguarda ainda que a PGR envie a sua delação para homologação. Venham cá: ele teria como afirmar algo diferente disso? Se dissesse que fez a delação sob pressão e que alterou versões no curso das investigações, o que aconteceria? A sua delação iria para o lixo. Como está, pode ser homologada pela máquina automática de homologar delações que Edson Fachin deve ter escondida em seu gabinete.
Há outros elementos que chamam a atenção. Um dos que mais se destacam, além da confissão de que está decidido a ser uma pessoa boa, é a defesa que faz do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. A escrita será certamente usada como material de propaganda para enfrentar a onda de descrédito que colhe a Lava Jato dentro e fora do país. Parece piada, mas é assim: apela-se àquele que deu o testemunho que sustentou a condenação de Lula — se falasse como delator, teria de apresentar evidências da conta geral de propina e da suposta ordem dada pelo petista para destruir provas — para dar um segundo testemunho que a justifique.
Celebre-se ainda a prodigiosa memória do prisioneiro. Nem que estivesse com todos os autos em mãos e o estudasse dia e noite na cadeia, conseguiria aquela riqueza de detalhes — todos, notem bem!, a endossar a versão de que o tal tríplex de Guarujá pertencia a Lula. Adicionalmente, há a menção ao sítio de Atibaia, também debitado na tal conta geral de propina de que o Ministério Público Federal nunca tinha ouvido falar. Aí já se tenta cuidar do segundo processo mais avançado do petista, com o recado sendo mandado ao TRF-4.
Mais surpreendente ainda na elefantina memória de Pinheiro: não apenas se lembra das supostas provas que ele mesmo forneceu como tem na ponta da caneta as que foram entregues por terceiros. Trata-se mesmo de um caso a ser estudado pela ciência.
O chato nessa história é que, para condenar Lula, o MPF deveria ter apresentado a Moro provas de que o tríplex, se propriedade do petista, tinha como origem os contratos celebrados pela OAS com a Petrobras, o que justificaria o caso estar na 13ª Vara Federal de Curitiba. Mas o então juiz escreveu:
"Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente".
Pinheiro nega que a condição de preso e de futuro delator esteja na raiz daquele seu depoimento a Moro. E agora certamente há de negar que, na raiz dessa carta, esteja o mesmo presidiário que aguarda a homologação da segunda delação e que vê aumentar o risco de que seja rejeitada em razão das revelações feitas pelo site The Intercept Brasil.
Um criminoso confesso foi escalado para atestar a lisura da Lava Jato e de Sergio Moro. Só o fundo do poço os contempla.