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Reinaldo Azevedo

Delação e tortura por outro meio. Ou: além de PT, “fechar algo bom do PSDB”

Reinaldo Azevedo

05/07/2019 08h46

Léo Pinheiro depõe a Sergio Moro: as acusações que não estavam nos autos levaram à condenação (Reprodução)

Vamos ao "é da coisa" no caso da carta enviada por Léo Pinheiro à Folha? Réus e seus advogados têm o direito, dentro do que lhes garante a lei, de tentar o melhor, respectivamente, para si e para seus clientes. E ao jornalismo cabe noticiar e analisar os fatos. Se Pinheiro tivesse enviado a carta para mim, eu a teria divulgado no meu blog, é claro! O que não me impediria de escrever o que escrevi: é um gato escondido com o rabo de fora. É evidente que ele exalta a lisura da Lava Jato, num momento ruim para a operação, e força a mão em favor da condenação definitiva de Lula, elemento considerado central para a honra da força-tarefa.

DELAÇÃO E TORTURA
É preciso tomar cuidado para que não sejamos condescendentes, na democracia, com práticas que seriam típicas de uma ditadura caso se elevasse o teor da arbitrariedade. Explico. Em regimes de força, e aconteceu no Brasil, presos eram convidados a assumir a culpa por determinados delitos depois de seviciados — infelizmente, isso ainda acontece com os pobres de tão pretos e pretos de tão pobres. Não se torturam presos políticos porque não os temos, felizmente. Mas a tortura ainda é prática corrente contra presos comuns. Para os pobres desgraçados, o regime de força ainda não acabou. E isso é apenas um fato. Sigamos.

O ato de contrição de Léo Pinheiro, admitindo suas culpas também morais, além das penais; o endosso oblíquo à Lava Jato e a Sergio Moro; a reiteração das acusações contra Lula… Tudo isso ocorre com um presidiário à espera de que a Procuradoria Geral da República envie sua delação para ser homologada pela máquina de homologar delações de Edson Fachin.

A tortura é coisa grave demais para ser banalizada em metáforas. Há que se admitir, no entanto, que, em casos assim, delações, confissões, reiterações e cartas têm o mesmo valor moral das confissões obtidas sob tortura, ainda que, insisto, o sofrimento físico que se impõe num caso não encontre padrão possível de comparação com o outro. A estrutura, não obstante, é a mesma: impõe-se a punição e se estabelece uma condição para a cessação do sofrimento: falar o que se quer ouvir. Fato: torturadores não costumam cumprir o combinado no inferno. A Lava Jato pode eventualmente fazê-lo para que outros presos, submetidos às mesmas condições, elaborem as suas respectivas listas de delatados.

Alguma dúvida de que os que caem nas malhas da Lava Jato veem cessadas suas garantias, mesmo as de investigados, e passam a ser usados como peças de um jogo que nada mais tem a ver com estado de direito e o devido processo legal? Dúvida nenhuma! Ao menos para quem se acerca com o mínimo de objetividade da questão e se atém à ordem legal.

PEGAR O PSDB
Uma mensagem de Deltan Dallagnol, revelada no domingo por reportagem conjunta da Folha e do site The Intercept Brasil, está sendo ignorada e é da maior relevância. Diz respeito justamente a Léo Pinheiro, este que escreve a carta.

Os procuradores estavam descontentes com a qualidade da colaboração do empresário, que havia feito um primeiro acordo de delação — que foi depois cancelado. E defendiam justamente que se pusesse fim às negociações. Achavam-se, de algum modo, ludibriados pelo empreiteiro. O estrategista Deltan Dallagnol tinha outra opinião. A mensagem parece um tanto atrapalhada, mas é possível destrinchá-la. Escreve a seus pares no dia 20 de agosto de 2016:

"Não sei se os anexos evoluíram. Se estiverem uma porcaria ainda, aí tudo bem. Mas se os anexos estiverem bons, acho que não é o caso [de pôr fim à negociação]. Salvo engano, ainda, trazem PSDB como nenhum que fechamos trouxe. Até fecharmos algo bom do PSDB, não dá pra descartar".

Traduza-se: "algo bom do PSDB" quer dizer "algo muito ruim para o PSDB". A fala evidencia a administração do destino e da sorte de um presidiário — que, à época, estava em liberdade provisória — em favor, percebam, mais de uma tese do que de um caso em investigação. Ele poderia ter dito: "Vamos manter a negociação até que a gente tenha uma elucidação do 'Caso X'. Nada disso! Era preciso pegar a legenda. O intento de quebrar a espinha dos tucanos só foi realizado dois anos depois.

Um dos equívocos, noto, do PT, desde sempre, foi supor que a Lava Jato era uma operação que tinha como alvo o partido. Demorou até que a legenda se desse conta de que esse alvo era a própria política. E Jair Bolsonaro que não se anime: se o MPF não for devolvido à Constituição e ao devido processo legal, nem ele nem ninguém estarão livres do arbítrio.
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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.