Ser Eduardo embaixador ou não depende da coluna vergada ou ereta do Senado
A coisa começa a circular como um mero rumor, uma possibilidade remota, uma besteira e, por absurda, logo evolui para a piada, para a chacota, para o gracejo. E todos dizem "Não! É claro que é mera fofoca, ele não seria doido o suficiente para isso…"
Não? Seria. É.
O presidente Jair Bolsonaro confirmou que pretende mesmo indicar um dos filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para assumir a embaixada do Brasil nos EUA. Requisitos para o cargo? Ter mais de 35 anos, ser brasileiro nato e ter reconhecido mérito para o cargo, com relevantes serviços prestados ao Brasil.
Sim, Eduardo, o dito Zero Três, nasceu em Banânia. Completou 35 anos nesta quarta-feira. E o tal mérito? Ora, ele é filho de Bolsonaro, certo? E isso já fala por si.
O deputado é presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Referindo-se aos dotes do seu pimpolho para aquela que é a mais cobiçada embaixada, Bolsonaro destacou o fato de Eduardo falar inglês e espanhol e ser amigo da família de Donald Trump.
Temos um presidente, como se sabe que demonstra amor pelo didatismo. Na entrevista coletiva em que abordou o assunto, saiu-se com esta pérola:
"Imagina o filho do Macri [Maurício Macri, presidente da Argentina] aqui como embaixador da Argentina. Teria tratamento diferenciado. [Indicar Eduardo] Está no meu radar, sim, e, no meu entender, poderia ser uma pessoa adequada".
E o deputado pensa o quê?
Ora, quando se manifestou à imprensa, afirmou que não havia ainda recebido um convite formal — como se isso fosse necessário — e que estava pronto para cumprir a missão que o capitão determinar.
A escolha feita por Bolsonaro constitui uma óbvia humilhação para o Itamaraty e revela também o desprezo que sente por Ernesto Araújo, o chanceler, ainda que este se mostre um entusiasta da ideia. Tem escolha? Eis, de resto, uma personagem que tem pouco a dizer sobre meritocracia. Afinal, embora pertença aos quadros do Itamaraty, o cargo de ministro das Relações Exteriores está muito além das suas sandálias.
Não! Eduardo não será embaixador se a maioria do Senado não quiser. Mas é preciso ver se há disposição para ficar com a coluna ereta. O indicado tem de ser sabatinado pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), e seu nome, depois, é submetido a escrutínio secreto. Precisa ter ao menos 41 votos favoráveis — metade mais um do colegiado, composto de 81 membros.
Em 2015, o nome de Guilherme Patriota, indicado pela então presidente Dilma para assumir a representação do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA), não foi aprovado. Contou com 38 votos contrários e 37 favoráveis. E olhem que se tratava de um diplomata de carreira.
Assim, a iniciativa de Bolsonaro aposta alto no Senado. O presidente tem a certeza de que os membros da Casa não lhe fariam uma afronta. Afinal, o rapaz tem a maior de todas qualificações para o cargo: é seu filho.
E é importante também atentar para o contexto da indicação, embora estejam dadas todas as pistas de que o presidente apenas esperava que o rebento fizesse a idade mínima necessária para a indicação. Desde a posse, aguarda-se que escolha um nome. Ele vinha protelando. Estava de olho no calendário.
Dados os 379 votos na Câmara para o texto-base da reforma da Previdência, o presidente sente-se empoderado para emplacar no Congresso o que lhe der na telha. Ocorre que, como se sabe, esse mérito é do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), não seu.
Preparo para o cargo? Vamos ver. Eduardo já afirmou, por exemplo, que a transferência da embaixada em Israel de Telavive para Jerusalém está decidida e que agora é só uma questão de tempo. Alertado à época de que isso poderia criar dificuldades com os países árabes, grandes importadores de carne do Brasil, especulou que isso seria compensado com uma adesão do Brasil às sanções dos EUA ao Irã, o que nos aproximaria da Arábia Saudita, que vive às turras com o país dos aiatolás. O que lhes parece?
Não só! Também mostrou-se um entusiasta da adesão do Brasil a eventuais medidas de força contra a Venezuela, seguindo a retórica beligerante de Donald Trump. Como se nota, Ernesto Araújo não era o fundo do poço na diplomacia. Ainda havia um alçapão com o sobrenome Bolsonaro.
Jurisprudência do Supremo não considera nepotismo a indicação de parentes para cargos políticos quando estes também são políticos. Mas é evidente que um presidente indicar o próprio filho para titular de uma embaixada é sinal de incultura democrática, típica de autocracias e ditaduras.
Vamos ver. Eduardo embaixador depende agora da coluna ereta ou vergada do Senado.
Correção: A aprovação de matérias no Senado por maioria absoluta requer 41 votos, não 42.