Topo

Reinaldo Azevedo

Bolsonaro reconhece tribunal do PCC e se torna um seu aliado objetivo

Reinaldo Azevedo

30/07/2019 16h59

Jair Bolsonaro, quem diria?, tornou-se aliado objetivo do PCC e agora reconhece como válido o julgamento do tribunal desse partido do crime. "Como? É isso mesmo, Reinaldo? Você não está exagerando?".

É isso mesmo! Eu não estou exagerando. Vamos ver. Faz-se necessário falar um tanto do contexto.

O presidente voltou a se comportar como o deputado destrambelhado do baixo clero, que falava o que lhe dava na cabeça oca de informação e limites, pouco importando se suas palavras agrediam valores consagrados na Constituição, na Declaração Universal dos Direitos do Homem ou, sei lá, numa lei de condomínio.

Depois que a Câmara aprovou, em primeiro turno, a reforma da Previdência e que Dias Toffoli suspendeu a investigação que atinge Flávio Bolsonaro — decisão tecnicamente correta, diga-se, até que o tribunal julgue a questão de mérito —, parece que o homem voltou a operar no "Modo Brucutu".

Se houver algo de errado que possa ser dito a respeito de qualquer assunto, Bolsonaro o fará. Isso excita a fúria dos algozes de Internet que o apoiam nas redes sociais. Mas o perigo vai além do aumento de bactérias anaeróbias do reino virtual.

Suas agressões à ordem têm efeitos práticos. Com sua fala, o presidente arruaceiro incentiva a invasão de terras indígenas, a ação de madeireiros em áreas de preservação, a agressão ao meio ambiente, o comportamento irresponsável de motoristas, o armamento mesmo ao arrepio da lei…

Nesta segunda, algo já prenunciava a frase desastrada desta terça sobre a barbárie havida no presídio de Altamira, no Pará. Este que se fez o líder da nação brasileira silenciou a respeito, preferindo defender o armamento da população como resposta à ação ensandecida de um morador de rua que, em surto, matou duas pessoas. Nota à margem: tal indivíduo, dado o histórico, só circulava livremente por incúria de várias esferas do Poder Público do Rio. Adiante.

Muito provavelmente, ele não tinha o que dizer, como não tinha seu ministro da Justiça, Sergio Moro, que preferiu ir ao Twitter para, em fazendo sentido as palavras, defender a prisão perpétua como resposta. Escreveu:
"O MJSP está agindo para auxiliar o Governo do Pará diante da rebelião em presídio em Altamira. De imediato, vamos disponibilizar vagas em presídios federais para isolar os responsáveis pela barbárie. Na minha opinião, deveriam ficar recolhidos para sempre em presídios federais."

Embora se possa especular se esse "para sempre" não quer dizer "pelo tempo que durar a pena", parece que seria apenas expressão de boa-vontade fazê-lo. O ministro da Justiça está defendendo, tudo indica, prisão perpétua. É claro que não é crime intelectual ou moral especular sobre a sua viabilidade.

Ocorre que a proibição da pena perpétua está explicitada na Alínea b do Inciso XLVII do Artigo 5º da Constituição. E, segundo dispõe o Artigo 60, todo o Artigo 5º é cláusula pétrea e não pode ser alterado nem por emenda. Ademais, tal medida amplia o encarceramento em vez de aliviá-lo, como, aliás, faz todo o "pacote anticrime" de Moro. Em sete meses à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública, este senhor nada mais faz do que administrar a própria reputação. E, convenham, de 9 de junho a esta data, cuida mesmo é de sua má reputação. Afinal, seus feitos de bastidores vieram a público. Mas sigamos com seu chefe.

A FRASE ABSURDA
Indagado nesta terça sobre a tragédia havida no presídio de Altamira, o presidente disparou:
"Pergunta para as vítimas dos que morreram lá o que eles acham. Depois que eles responderem, eu respondo a vocês".

Pode ser uma resposta compatível com a fala de um justiceiro ou de um miliciano, não com a de um chefe de Estado. Deveria ser ocioso ter de explicar que, quando o Estado se dispõe a recolher compulsoriamente alguém em suas dependências, passa a responder por sua segurança. Não se trata, como se pensa, de uma garantia a bandidos, mas aos cidadãos comuns. Qualquer pessoa pode estar sujeita à interferência do Estado em sua liberdade de ir e vir — seja essa interferência de curta ou de longa duração.

Ao dar a resposta que deu, Bolsonaro reconhece a validade moral do tribunal do PCC — que, no Pará, opera na forma de Comando Classe A — e endossa o seu julgamento. O sentido de sua fala é um só: as 57 pessoas tiveram o que mereceram porque, afinal de contas, eram criminosas. E, no mundo de Bolsonaro, os criminosos de que ele não gosta merecem a pena de morte. Já para madeireiros ou garimpeiros ilegais, bem, nesse caso, ele dispensa tratamento de heróis da pátria. Seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi conversar com desmatadores em Rondônia. Foi recebido como líder.

Seja pela fala do ministro da Justiça, seja pela barbaridade expelida pelo presidente da República, já deu para perceber que não virá resposta que preste do Executivo. Um só pensa em soluções simples e erradas para problemas difíceis. O outro, diante de cabeças cortadas, diz um "Bem-feito! Tiveram o merecido".

É impressionante que Bolsonaro, o pai de cinco filhos, não pense no que sentem mãe e pai ao ver a cabeça do próprio filho num saco preto. Ele desconhece a empatia. Afinal, o futuro de suas crias já está garantido. Com o auxílio do Poder Público.

PS: Antes que Bolsonaro estrile, é bom saber o que significa "aliado objetivo". É o que ele é. Aliados objetivo do PCC e dos demais partidos do crime que criam seus próprios tribunais nos presídios. Sem direito a recurso. Como Bolsonaro e seu ministro da Justiça devem gostar. Este, diga-se, quando juiz, escreveu artigo defendendo a execução da pena depois da condenação em primeira instância. Um verdadeiro gigante do direito!

PS2: A imagem das cabeças cortadas de frangos chocam um tanto, eu sei. Há quem não se deixe tocar por cabeças cortadas de gente. Valem menos do que as de frango.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.