A decisão de Moraes e a farra dos tarados da ordem legal e democrática
O ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito aberto no Supremo para apurar a escalada de agressões contra o Supremo, expediu uma ordem seca e objetiva: "Diante das notícias veiculadas apontando indícios de investigação ilícita contra Ministros desta Corte, expeça-se ofício ao juízo da 10ª Vara Federal Criminal de Brasília solicitando cópia integral do inquérito e de todo material apreendido durante a "Operação Spoofing" no prazo de 48 (quarenta e oito) horas. Cumpra-se."
Trata-se de um dos documentos mais importantes expedidos pelo Supremo desde que teve início a operação Lava Jato, que tinha a nobilíssima e necessária tarefa de combater a corrupção e se transformou num projeto de poder — quando não, num meio de enriquecimento ilícito no que concerne ao aspecto moral.
Trata-se de um primeiro passo para devolver o estado de direito a seu leito. E, como tal, isso é apenas o começo. É preciso rever procedimentos. O estrago provocado pela Lava Jato é gigantesco. Desculpo-me pela imagem forte, mas vá lá: ela abriu as portas para todo tipo de tarado e pervertido do ordenamento legal.
Sem pudor, operadores do direito entregam-se a devaneios solipsistas, como se inexistissem as normas que nos regem, e só restassem as disposições subjetivas sobre o que é e o que não é justiça.
Ontem, depois dos diálogos indecorosos trazidos à luz pela Folha e pelo site The Intercept Brasil, pedi uma avaliação a Fernando Mendes, presidente da Ajufe, a Associação dos Juízes Federais. O Supremo não havia ainda se manifestado. Disse ele:
"Se as conversas divulgadas pela Folha de S. Paulo realmente aconteceram, o fato é muito grave. A Lei Orgânica da Magistratura deixa claro que apenas o Poder Judiciário pode investigar os seus membros. O mesmo acontece no Ministério Público da União, cuja Lei Complementar estabelece que apenas a PGR pode investigar seus integrantes. Se havia qualquer indício de crime praticado por ministros, caberia à Procuradoria Geral da República representar para que os tribunais superiores fizessem as apurações devidas e jamais realizar ou estimular investigações paralelas em flagrante desrespeito ao devido processo legal."
Sim, as conversas realmente aconteceram.
E, desde logo, a fala nos remete a uma questão essencial: e se o Ministério Público Federal se negar a investigar as transgressões cometidas por seus próprios integrantes? Pode um órgão do Estado brasileiro decidir que seus membros estão acima da lei, sendo-lhes facultado até mesmo criar um estado paralelo?
O Ministério Público Federal terá de decidir se Deltan Dallagnol é hoje a face que o representa e se reivindica o direito de se colocar acima da Constituição e dos Poderes da República.
Ou por outra: o MPF existe para ser o remédio dos males. E, como indagou Padre Vieira, é preciso saber quem remedeia os remédios. A lei atribui ao próprio órgão tal função. Mas não lhe confere a licença para engendrar um golpe de estado.
A palavra imediata está com Conselho Nacional do Ministério Público e a com a Procuradoria Geral da República. Também é preciso que o Congresso Nacional seja chamado ao debate.
De pronto, é preciso ter uma lei efetiva que puna o abuso de autoridade. E, como providência estruturante do estado de direito e do devido processo legal, é necessário que se definam com clareza as atribuições do Ministério Público.
Ele tem, sim, de ser independente. Mas não pode ser independente da Constituição.
Para encerrar, lembro: se quiser, Moraes pode chamar para si, por prevenção, a investigação. Por ora, pediu cópia do inquérito e do material apreendido.
É preciso pôr fim à farra dos que decidiram assaltar a ordem legal sob o pretexto se fazer justiça e combater a corrupção.
Se não for agora, quando?