Moro, ex-juiz de acusação, quer ser agora juiz de condenação da imprensa
O ministro Sergio Moro (foto), da Justiça, agora resolveu seguir os passos do presidente Jair Bolsonaro e atacar a imprensa dia sim, dia também. Não toda ela, claro! Só aquela que se encarrega de lembrar o que ele fez no verão passado — procedimento, diga-se, a que são submetidos todos os políticos. Sabem como é… Os candidatos a tiranos e tiranetes não gostam.
Já afirmei no programa "O É da Coisa", na BandNews FM, o que vou escrever agora: Bolsonaro não tem legitimidade para atacar a imprensa porque, na democracia, ninguém tem. E que se note: "atacar" é diferente de criticar uma reportagem, apontar erros, evidenciar omissões. Isso é do jogo. O presidente alveja a própria atividade. Ele detesta o fato de que seus atos são submetidos ao escrutínio diário do jornalismo. Ou por outra: repudia a própria democracia.
Não tem legitimidade, reitero, para atacar, mas dá para entender por que o faz. A imprensa, de fato, sempre lhe dispensou um tratamento negativo. Não por prevenção, mas por senso de justiça. Ele passou 28 anos na Câmara a dizer as coisas mais detestáveis e absurdas. O simples registro de sua fala sempre correspondeu a uma abordagem depreciativa. Por responsabilidade exclusiva de quem emitia os juízos boçais.
De todo modo, a imprensa não participou da "invenção" de Bolsonaro. Mas participou, sim, da criação de um outro mito: Sergio Moro. Bolsonaro se fez sem a ajuda do jornalismo — ao menos a voluntária. Registro, pois, à margem que dar publicidade a suas estultices, ainda que de modo crítico, correspondia também a ampliar o seu público. Temos, no entanto, a obrigação de noticiar. Ponto.
Moro só colheu louros desde que foi deflagrada a Lava Jato, há mais de cinco anos. Seus atos ilegais e seus exotismos judiciais eram vistos como um modo célere e inteligente de combater a impunidade. De resto, cumpre lembrar a rotina de vazamentos criminosos que acompanhou a operação desde o início. E estavam criadas as condições para animar a mentalidade dos tolos com a ideia de um Super-Homem contra a corrupção.
Até hoje, há setores renitentes da imprensa que se negam a reconhecer a contumácia com que o doutor agrediu fundamentos da Constituição e do Código de Processo Penal, além de uma penca de outros títulos legais.
Portanto, seu ataque à imprensa, além de ilegítimo, como o do seu chefe, é também ingrato.
POR QUE ISSO?
Neste domingo, Moro decidiu atacar a Folha em razão de mais uma reportagem publicada pelo jornal, em parceria com o site The Intercept Brasil. Reproduzo trecho:
O ministro da Justiça, Sergio Moro, distorceu reportagem publicada pela Folha ao justificar neste domingo (4) a omissão de uma palestra remunerada na prestação de contas de suas atividades como juiz federal em 2016.
Como a Folha informou, Moro deu a palestra em setembro de 2016 e nunca cumpriu a obrigação de informá-la ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, embora tenha registrado sua participação em outros eventos externos naquele ano, incluindo palestras.
Uma resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça em junho de 2016 tornou obrigatório para juízes de todas as instâncias o registro de informações sobre palestras e outros eventos que podem ser classificados como "atividades docentes" pelas normas aplicadas à magistratura.
De acordo com a resolução, os juízes têm 30 dias para informar sua participação nos eventos e devem registrar data, assunto, local e entidade responsável pela organização. As normas do CNJ não obrigam os juízes a declarar a remuneração recebida.
Ao responder a questionamentos da Folha na sexta-feira (2), o Ministério da Justiça afirmou que a omissão pode ter ocorrido por "puro lapso", um descuido do então juiz, e observou que o sistema eletrônico criado pelo TRF-4 para o registro das palestras só começou a funcionar em 2017.
Questionado sobre o valor do cachê recebido pela palestra, o ministério disse que se tratava de uma "questão privada", mas acrescentou que a maior parte fora doada a seu pedido a uma entidade beneficente, o Pequeno Cotolengo do Paraná, e enviou comprovante de um depósito de R$ 10 mil efetuado pelos organizadores.
Neste domingo, ao comentar o assunto no Twitter, Moro afirmou que foi criticado por não ter registrado a palestra no cadastro eletrônico, o que não é verdade, e omitiu o fato de que as normas do CNJ tornavam o registro de eventos como esse obrigatório na época em que ele deu a palestra.
"Folha de São Paulo vê irregularidade pois a palestra de 2016 não foi registrada na época em cadastro eletrônico no Tribunal (Trf4), embora amplamente divulgada na mídia. Detalhe, o cadastro foi criado depois, em 2017. Pelo jeito, o cadastro é mais importante do que a caridade", escreveu o ministro.
Como a reportagem da Folha informou, Moro registrou no TRF-4 sua participação em diversos outros eventos em 2016, mesmo antes que o cadastro eletrônico criado em 2017 começasse a funcionar. Segundo o tribunal, Moro registrou 16 eventos, incluindo 9 palestras. A maioria ocorreu antes da palestra de setembro que ele omitiu.
Em 2017 e 2018, até abandonar a magistratura para ser ministro do governo Jair Bolsonaro (PSL), Moro declarou participação em outros 25 eventos, conforme os registros disponíveis no site do TRF-4. Em nenhum caso ele informou ter recebido remuneração.
Um levantamento realizado pela Agência Pública em julho do ano passado encontrou notícias sobre 12 cursos e palestras que Moro havia dado sem informar ao tribunal. Ele registrou 5 desses eventos posteriormente, mas ignorou os outros 7.
O ministro também foi questionado pela Folha sobre essas omissões na sexta-feira, mas preferiu não fazer comentários sobre elas. Todas as explicações enviadas por sua assessoria na sexta-feira foram publicadas pela Folha.
(…)
RETOMO
O ministro não se conforma com o fato de ver a sua obra estampada nas páginas e no site do jornal. Está acostumado com a imprensa que incensa os seus erros e, como se nota, convive mal com o que, vamos convir, nem chega a ser uma crítica, mas a simples exposição de seus erros.
E é isso que o leva a contestar o que não se disse e a não responder àquilo que se disse.
Deveria, desde já, pôr uma coisa na cabeça: terá se conviver com a própria obra e dela não vai se livrar nem se salvar.
A casa caiu. Mas o ex-juiz acha que agora pode julgar também a imprensa.
Ele, definitivamente, não se conforma em se ater às suas funções.
Como juiz, encarregou-se da acusação. Como ministro, quer posar de juiz de condenação.